sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

A Travessia


 «Em busca de uma segunda oportunidade, Anthony fará uma jornada de redenção e encontro com o seu verdadeiro ser. A Travessia de WM. PAUL YOUNG»

Todos temos muralhas que crescem no nosso interior! Cabe a cada um de nós tratar do terreno interior para que seja fértil e, permita nele existir, ao invés de muralhas, um lindo jardim! As muralhas a que me refiro foram magistralmente descritas no livro “A Travessia” de WM. Paul Young. Possivelmente, este foi um dos melhores livros que li! Terminei, hoje, 27 de dezembro de 2013, a leitura das 300 páginas com lágrimas a escorrem-me dos olhos sem que as pudesse evitar. Ao mesmo tempo fui invadida por um turbilhão de sentimentos que foram desde a alegria até à saudade. Já é longa a mania de escrever na contracapa ou nas páginas sobrantes dos livros que leio. Este exercício permite-me guardar para memória futura um comentário ou desabafo sobre a leitura finda. Possivelmente esta é uma das razões para não emprestar os livros a outras pessoas, por conterem aspetos íntimos da minha alma, que não desejo partilhar. Porém, desta vez, contrariando o habitual, nada escrevi! Preferi partilhar as palavras iluminadas deste autor (não o conhecia). Confidencio, também, que, possivelmente, dada a riqueza da mensagem, voltarei a reler o livro, de modo a compreender melhor alguns dos ensinamentos. Sublinhei  algumas frases que a mim me pareceram dirigidas. Desde o início da leitura considerei que o autor só podia ter escrito todas aquelas palavras se estivesse em Comunhão com Deus. É incrível o fio condutor da história, a forma como o autor articula as frases entre capítulos, prendendo a atenção do leitor desde o início até final do livro. Realmente existem pessoas raras com o propósito de guiarem outras almas perante as encruzilhadas terrenas. Durante a leitura do livro foram inúmeras as vezes que me senti esmagada com a força das palavras de WM. Paul Young. A leitura foi demorada, foi realizada aos “pedacinhos”, entre viagens de transportes públicos casa-trabalho. Houve alturas durante a leitura, refira-se com esforço, reprimi algumas das emoções que sentia em determinadas passagens do livro. O estado de espirito ia variando de acordo com ação das personagens entre a alegria, tristeza, esperança, arrependimento e a redenção. Mas o que importa ressalvar é a mensagem de Amor que o autor transmite e, enaltecer o poder da Oração que norteia toda a narrativa. Podia fazer inúmeras citações das palavras que me tocaram, no entanto, muito do que atrás escrevi, poder-se-á resumir nestas frases: « – A confiança implica riscos, (…), e há sempre riscos nas relações. Mas sabes uma coisa? Sem as relações entre pessoas, o mundo não faria sentido. Algumas relações são mais complicadas do que outras, algumas duram pouco, outras são difíceis e poucas são fáceis, mas todas são importantes. » - Aconselho a leitura!

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Sociedade de Contrastes


Tenho dificuldade em imaginar a sociedade portuguesa dentro de vinte anos! A taxa de natalidade em Portugal era, em 2011, a quarta mais baixa da União Europeia, com 1,35 nados-vivos e, em 2013 o declínio de nascimentos continua a acentuar-se. Estamos perante uma sociedade muito doente e aparentemente nada se faz de concreto para travar este hediondo flagelo. As explicações para compreender os contrastes sociais residem na própria organização da sociedade! Numa sociedade moderna somos todos definidos pelo trabalho. Não podia no meu entender estar mais atual a Teoria de Karl Mark sobre o “Capitalismo”. A relação entre as classes é sempre uma relação conflituosa, por ser desigual. Ele chamou o Capitalismo de "ditadura da burguesia", executada pelas classes ricas para o seu próprio benefício. O proprietário dos meios de produção é quem define o tempo, o ritmo e o valor do trabalho do trabalhador, que por sua vez é dono apenas da sua força de trabalho. Analisemos as condições de vida de muitos portugueses: qual o rendimento escolar de muitas crianças que chegam às escolas sem refeições?! Como podem muitos dos jovens constituírem família e, consequentemente, terem filhos quando a sociedade onde nasceram lhes veda a possibilidade de conseguir trabalho?! Diametralmente, qual a esperança que se pode transmitir a um adulto, que em virtude das muitas falências/insolvências, procura trabalho a partir dos quarenta anos?! Quais as condições de trabalho adotadas por muitas empresas quando têm a consciência que existe uma percentagem de assalariados disponíveis para ocuparem os postos de trabalho?! Salário mínimo para trabalho máximo! Portugal está a deixar sem futuro a geração mais qualificada de sempre! De acordo com o sociólogo João Teixeira Lopes a existência de jovens licenciados ao emigram para França para escaparem à precariedade deve-se à  sua «invisibilidade perante as instituições e perante a diplomacia». «Na verdade [estes jovens] significam, em muitos casos, competências, talentos, capital humano que está neste momento a ser exportado pelo país.» São vários os estudos que apontam que o fosso entre os mais ricos e os mais pobres é acentuado, a desigualdade de rendimentos familiares e salariais, faz com que Portugal seja "um dos países mais desiguais da Europa". A tomada de consciência sobre a problemática das “desigualdades sociais” é o primeiro passo para que todos os portugueses possam exigir sobre os responsáveis económicos, políticos e sociais medidas efetivas para inverter o estado de situação a que chegamos. Os meus votos para 2014 passam por Acreditar que o futuro de Portugal está nas mãos de cada um de nós e, nas ações coletivas que possamos empreender para exigir uma sociedade mais justa!

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Nas Tuas mãos

Dou por mal empregue o tempo ocupado pelo meu pensamento para estruturar frases sobre o que havia de escrever nesta data. Ensaiei por algumas vezes a combinação «certa» de frases cujas palavras descrevessem  os  sentimentos que pairavam na mente. Em alguns dias consegui expressar em outros textos o que sentia no momento. O livro da vida é composto por múltiplos capítulos, alguns já escritos, outros cujas páginas em branco aguardam palavras de uma história (quase sempre) diferente do plano inicialmente traçado. A conclusão a que chego é que tudo o que vem até nós vem no tempo certo. Nas páginas do livro pessoal que leva mais de quatro décadas  apenas tenho o conforto de saber que jamais desvirtuei o sentido das palavras, escrevi o que era verdadeiro mesmo quando a inspiração ou o rumo dos acontecimentos pareciam fugir de mim. Afinal, aqui, estou eu, no dia por que tanto ansiei, fazendo uma espécie de balanço deste quarto de século que me pertence, como se este exercício arrumasse dentro do meu interior os acontecimentos no devido lugar, catalogando-os por assuntos, conforme o seu grau de importância. Nesta espécie de introspecção com data marcada dou comigo a pensar que as etiquetas mentais são resultado das aprendizagens adquiridas ao longo da vida, valorizam o que é de valorizar, perdoam o que é de perdoar. Lamentavelmente, direi, que (ainda) não tenho o condão de esquecer o que é de esquecer, possivelmente por acreditar que a responsabilidade de cada um deve ser assumida. Sendo, igualmente, verdadeiro que a palavra rancor ou outras suas semelhantes não farão parte do meu léxico e tão pouco da minha essência. No entanto, sublinho que «não darei o outro lado da face» a alguém, que deliberadamente (ou gratuitamente cause sofrimento ou mal-estar), antes pelo contrário, defenderei como guerreira, com todas as armas ao dispor  os princípios e valores que norteiam a minha maneira de pensar e de agir. Consequentemente, arcarei, com as responsabilidades que me serão devidas pelas escolhas efectuadas. Se por um acaso, seja no início, a meio, ao mesmo no final da trajectória verificar que errei, ou me precipitei na tomada de decisão, estarei na primeira linha do campo de batalha a pedir perdão e tudo fazer  para remediar os estragos causados. Neste balanço que me parece oportuno e, por isso, digno de registo, confirmo que nem tudo correu como planeado, mas o saldo é muito positivo! E, porque considero que a vida é uma grande oportunidade, hoje não finalizarei a minha história fazendo alusão ao tempo passado, decidi  que dado o rumo dos acontecimentos o que é importante é a minha acção presente. Desejo libertar o meu pensamento das coisas insignificantes e elevar o meu espírito até Deus agradecendo-Lhe pela oportunidade de me deixar viver. Desejo que a minha alma esteja suficientemente leve para que Ele escute as minhas preces e, continue a proteger as «minhas» duas preciosidades terrenas que são os meus dois filhos. Não poderia de maneira alguma, esquecer, os «outros» dois anjinhos celestes, que Deus acolheu até à minha chegada. Lembro-me, também, de todos aqueles que eu amava e, que entretanto, partiram, para o merecido descanso. A todos os que me honrarem com a leitura deste desabafo, direi: «Aproveitem a vida. Ajudem-se uns aos outros. Não deixem nada por dizer e nada por fazer1».

António Feio, ator, 1954-2010 

sábado, 7 de dezembro de 2013

Partiu um homem bom!


Partiu um homem bom! A derradeira caminhada ocorreu a 5 de Dezembro de 2013, aos 95 anos. A noticia foi dada ao mundo pelo  atual Presidente da África do Sul, Jacob Zuma: "A nossa nação perdeu o seu melhor filho. O nosso povo perdeu o seu pai". Milhões de pessoas juntarão as  vozes e em uníssono dirão que  perdemos o exemplo vivo de dignidade, de tolerância, capacidade de perdoar, liderar e virar o rumo histórico do seu país. Esteve 27 anos em cativeiro, vítima de um hediondo regime de apartheid. A segregação racial vigorou na África do Sul desde 1948 a 1994 legitimada pelos sucessivos governos onde a maioria negra foi descriminada por uma minoria branca. O apartheid trouxe violência e um significativo movimento de resistência interna. Nelson Mandela foi o exemplo da grandeza humana e quando eleito como o 1º Presidente negro da África do Sul empenhou-se na reconciliação nacional. Nelson Mandela amainou os ventos carregados de ódio e cultivou a Paz entre os sul-africanos. Defendeu que brancos e negros eram filhos da mesma nação. A Humanidade tem que volver milénios na sua História para encontrar outro Homem da mesma grandeza, Jesus Cristo. Sim, Nelson Mandela, poder-se-á comparar a Jesus Cristo! Sorte daqueles que lhe foram contemporâneos, congratulando-me por ter vivido neste tempo e expressar com  palavras humildes  a minha enorme admiração pelo seu exemplo de vida. Comovo-me com a sua partida. O Céu espera o Seu regresso. Nos anais da História da Humanidade perdurará o legado de Nelson Mandela. Descansa em Paz Madiba. 1


1 Madiba é o nome do clã Thembu a que Mandela pertence. Foi também o nome de um chefe Thembu no século XIX. Chamar Madiba a Mandela é sinal de carinho e respeito.

Nelson Rolihlahla Mandela foi um advogado, líder rebelde e presidente da África do Sul de 1994 a 1999, considerado como o mais importante líder da África Negra, ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 1993, e Pai da Pátria da moderna nação sul-africana.
 

domingo, 1 de dezembro de 2013

Violência Gratuita

Vivenciei com tristeza os acontecimentos ocorridos esta semana no final das aulas na escola do meu filho. Depois de um dia na escola qualquer criança gosta de ouvir o toque que anuncia o final das aulas. O recreio representa os minutos mágicos. Eu consigo com facilidade ainda recordar aquela ansiedade em criança para que os minutos passassem a correr para  terminar uma qualquer brincadeira deixada a meio dum recreio anterior. Ressalvo que o meu tempo de criança não se assemelha muito ao de hoje excetuando-se, obviamente o facto de termos todos a mesma idade. Só para recordar as diferenças em Portugal em finais dos anos 70 e início dos 80 a televisão tinha início de emissão apenas ao final da tarde; nós as crianças de então brincávamos no espaço público umas com as outras sem muitos dos receios que presentemente existem. Claro que há vezes existiam as “tais” rivalidades que originavam pequenas lutas e que por vezes deixavam marcas físicas, principalmente nos mais fracos fisicamente que eram facilmente dominados pelos mais fortes ou pelo grupo com mais elementos. Devido à edução que recebi em casa e que estruturou para sempre a minha forma de pensar e de agir quase sempre me posicionei como defensora de todos aqueles que eram rejeitados das brincadeiras. Nunca senti um “especial” prazer em excluir um amigo ou colega de turma e muito menos fazer chacota por falta de algum atributo físico ou mental. Lembro-me de entrar em brigas que inicialmente não eram minhas só porque algum dos meus amigos estar envolvido. Houve alturas que suportei algumas “arrochadas” por não medir convenientemente a força dos intervenientes da briga. Após esta breve introdução volto ao tema que me desagradou a semana passada. O meu filho de 8 anos estava no recreio no final das aulas a brincar com os seus colegas de turma onde se incluía o seu melhor amigo. O meu filho e o seu “melhor amigo” conhecem-se do tempo da creche onde ambos ingressaram com 4 anos e instantaneamente desenvolveram uma forte ligação. Quando transitaram da Infantil para a Primária eu própria empenhei-me junto da escola para que os dois não fossem colocados em turmas diferentes. Lembro-me inclusivamente que escrevi uma carta à Direção Escolar onde expus os motivos que considerava importantes para não separar “os dois melhores amigos”.  Até à semana passada nutri um especial carinho por aquele menino de sorriso fácil companheiro das brincadeiras do meu filho. Na passada segunda-feira, 25 de novembro, estavam os dois mais um grupo de colegas a brincar à apanhada, quando um colega de ambos decidiu parar a brincadeira para imaginem colocar dentro da boca do meu filho algumas folhas secas e inclusivamente um saco plástico que estava no chão. O “melhor amigo” do meu filho achou tanta graça à brincadeira que em vez de proteger o amigo quis também encher a boca dele com lixo. Nem consigo imaginar a reação do meu filho, além de tentar afastar os dois colegas deve ter ficado incrédulo com a atitude do seu “melhor amigo”. Não satisfeitos os dois rapazes do lixo desataram ambos a malhar no meu filho. Valeu ao Daniel um outro colega da turma que achando existir desproporcionalidade naquela luta interveio em sua defesa. Logo depois chegou a auxiliar que vigiava o recreio e que repreendeu veemente os dois incitadores da briga e porque é conhecedora dos comportamentos individuais de cada um, castigou-os. Recordo que algumas semanas atrás o meu filho tinha comentado que o seu “melhor amigo” lhe tinha tirado um autocolante que inicialmente lhe tinha oferecido para depois o entregar a outro colega – ele ficou sentido – na altura eu desvalorizei o ocorrido q.b. e disse-lhe que o “amigo” tinha agido mal.  No dia seguinte à briga, o Daniel não queria ir para a escola, queixou-se com dores de barriga. Eu compreendi que esta era a forma dele reagir ao episódio do dia anterior, mas incentivei-o a enfrentar o problema. Ora, nessa terça-feira, o “melhor amigo” do meu filho, não satisfeito com o desfecho do dia anterior decidiu fazer campanha entre os colegas de turma para não brincarem com ele! Chegou a fazer chantagem dizendo quem brincasse com o Daniel não brincaria com ele. Uma vez mais o “melhor amigo do meu filho”  não foi bem-sucedido na pretensão de exclusão do Daniel das brincadeiras, houve um  colega de ambos por considerar o pedido sem sentido, afastou-se dele! Esta reação dos colegas deve ainda ter irritado mais o “melhor amigo do meu filho” que decidiu voltar à carga e decidiu num dos recreios agredir gratuitamente o Daniel. Acredito que o meu filho fez o que pode para se defender mas de certeza que não estava a contar com esta atitude do “ seu melhor amigo”! Mais do que as nódoas negras que resultaram da agressão, notei o desgosto dele por sentir que amizade de ambos foi gravemente comprometida. A Escola desempenhou o seu papel. A professora na quarta-feira de manhã expôs à turma a bizarra situação e aplicou uma medida corretiva aos dois agressores do meu filho impedindo-os de frequentarem o recreio. Não os deixou na sala de aulas – isso, implicaria ter uma auxiliar por conta deles – ambos passaram os recreios toda a semana sentados num banco a verem os colegas a brincar. Sei que também chamou à escola o encarregado de educação do ex-melhor amigo do meu filho. Alguns que leem esta história podem ser tentados a pensar que se tratou se uma simples “brincadeira” de crianças. Eu como mãe não concordo. Devemos estar atentos a todos os sinais. Além das mazelas físicas que resultaram da briga esteve em causa, uma tentativa de exclusão entre colegas – diga-se como sempre despropositadíssima…  Este sábado o meu filho esteve na festa de aniversário de  um colega de turma, os dois agressores não foram convidados. Ao mesmo tempo que eu dava os parabéns ao aniversariante aproveitei para lhe agradecer pela defesa do meu filho, foi ele que terminou a luta igualando as forças – no lugar dele eu teria feito a mesmíssima coisa! Desejo profundamente que a situação fique por aqui!

sábado, 23 de novembro de 2013

ZIG


Retive a palavra Zig através de um filme. O Zig exemplifica o preciso momento em que a contagem do tempo deixa de existir para duas pessoas. Através de um simples olhar duas almas ficam a saber que a partir daquele instante ficarão ligadas para todo o sempre. Dizem que o Zig só acontece uma vez na vida como expoente máximo do amor. Todos anseiam por esse instante e, no entanto, apenas alguns parecem alcançar. Entendi da mensagem que o Zig é uma espécie de meta sem prazo para concretizar. Felizes aqueles que alcançam o ZIG – pensei.  Procurei investigar no meu interior se algum dia teria encontrado a outra metade de mim? A tentativa de fazer por si só deu-me a resposta. Ou melhor, abriu-me pistas para mais interrogações. Claro que já vivi um grande amor. Quem nunca viveu um grande amor não pode por falta de conhecimento saber o que significa o silêncio de um olhar e, tão pouco interpretar o desgosto da desilusão. Só quem amou sabe o que significa um arrepio na pele por pensar em alguém que nos é especial. Noites sem dormir, sonhos por viver e as saudades de quem partiu podem fazer chorar um coração. Não sei se há idades ou melhor etapas do crescimento humano que favoreçam o sentimento do amor. Entendo que todas as idades são ideais para amar. Houve alguém que um dia perguntou «E, o que fazer à carapaça que vamos construindo para nos proteger das desilusões amorosas?» - respondi: «creio que quando o amor verdadeiro chegar, não haverá avisos e, seremos atingidos pela tal seta do cupido e não existirá nada que nos possa proteger.» Pessoalmente gosto de acreditar nos amores eternos. Daquele tipo de amor que vence os todos os obstáculos para se encontrar. Penso em duas estrelas que explodem e se fragmentam cuja luz emanada é uma espécie de farol para informar o local onde se encontram. Quanto maior a luminosidade maior o desejo de acreditarem que «um dia» se possam de novo unificar.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Não importa onde nascem as amendoeiras (desde que floresçam!)

«Acreditas em vidas passadas?» Ele esboçou um ligeiro sorriso no rosto ao mesmo tempo que o abanar de cabeça pretendeu responder à questão negativamente. Que pena! – Pensou ela –, tivesse ele respondido de outro modo ou quisesse explorar o lado místico daquela relação, o tema só por si, ocuparia muito daquela conversa. Se bem que ela não acreditou muito no teor da resposta. Algumas pessoas mesmo quando afirmam não acreditar naquilo que não conseguem observar ou experimentar têm sempre um lado místico associado às suas vidas. O misticismo é a procura do ser humano pela comunhão entre o espirito e a realidade; ou seja, algo que em alguns momentos permite explicar determinados acontecimentos ou mesmo ligações a determinadas pessoas em detrimento de outras. Quando um ser humano se liberta das regras impostas consegue viajar até aos confins da mente, para a época mais embrionária da consciência, onde a fronteira entre o real e o sonho se cruza. Aquela amizade era disso prova, verdadeira e especial, resistente à erosão do tempo e das circunstâncias. Ao longo dos anos tinham preservado no interior de cada um uma espécie de cantinho isolado, onde o sentir flui para além das palavras e onde o silêncio encerra em si mesmo múltiplos significados. Ela acreditava que duas almas quando se entrelaçam, encontrar-se-ão muitas vezes em tempos e lugares diferentes das suas realidades. Ambos sentiriam em tantos dias aquilo que outros já protagonizaram em histórias imemoriais. Lembro-me de uma história, daquelas que se contam às crianças e que se reveste de amor e de esperança. Reza a lenda que uma linda princesa nórdica que vivia nas terras quentes de Portugal, não conseguia sorrir nem ser feliz porque as saudades do manto branco que cobria os campos da sua terra no inverno eram imensas. Até que o rei mouro, temendo perder a sua amada teve a brilhante ideia de mandar plantar por todo o Algarve grandes extensões de amendoeiras que, no início de cada Primavera davam à princesa a ilusão da neve e, assim, ela ficou curada da sua nostalgia. O rei mouro e a princesa viveram um intenso amor e, ano após ano, a Primavera renovava o maravilhoso espetáculo das amendoeiras em flor. Não importa onde nascem as amendoeiras, quando duas almas se encontram, “jamais se sentirão sozinhas, porquanto entenderem, por si só, a infinita necessidade, que têm uma da outra para toda a eternidade”.1

sábado, 2 de novembro de 2013

Com os olhos nas águas do Tejo


No tempo que seguiu ao teu derradeiro adeus senti a ansiedade a apoderar-se  do meu estado  de  espírito. Durante largo tempo não fui bem-sucedida nas tentativas  que  realizei  para esboçar um simples sorriso, a tristeza fez questão de me acompanhar em demasiados dias. Assumi com a tua partida que uma parte de mim sucumbira para todo o sempre. Nesse tempo sombrio não encontrei motivos para que o coração continuasse a bater, a minha alma vazia não desejava sequer continuar a viver. Sobrevivi porque as funções vitais desempenharam convenientemente o seu papel. O luto, esse, não passa nunca. Com o passar dos anos a dor foi apenas diminuindo de intensidade tornando o luto numa espécie de convívio diário. Há dias num final de tarde quando regressava a casa, viajava absorta em muitos pensamentos com o olhar perdido nas águas do rio Tejo, quando um agradável cheiro a perfume se intrometeu entre mim e a paisagem. Senti um arrepio a percorrer o meu corpo. Aquele cheiro a perfume levou-me de novo até ti. Todos os significados da nossa história continuam bem presentes - aquele perfume foi-me há muitos anos oferecido por ti e, tornou-se uma parte de nós - tu e eu recordaríamos aquele aroma como nosso. Do nosso passado não recordo as palavras ditas, nem tão pouco os silêncios do  olhar, mas na memória  ficaram registadas as emoções sentidas. Aquele aroma de um perfume doce guiou-me no tempo, a uma outra tarde décadas atrás, onde tu estavas em casa doente e eu só desejava chegar depressa para ficar ao teu lado. Lembro-me  que desse tempo longínquo, os nossos sentimentos de amor pareciam perfeitos, mas tudo tem um fim… Lamentei de novo a ausência num espaço que te pertence e, com saudade afastei as lágrimas do meu coração. Com os olhos postos nas águas do Tejo a luz alaranjada do sol levou-me de novo ao presente. Aprendi que na vida às vezes perdemos mas que o amanhã será sempre um novo dia.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

O derradeiro adeus

O dia começou com um sol tímido a espreitar por entre as nuvens. Porventura os mais desprevenidos foram apanhados pela chuva miudinha que caia sobre a cidade. Em plena hora de ponta alguns condutores apressados mudavam de trajetória na tentativa da faixa do lado ser mais rápida do que aquela por onde circulavam. Quando o telefone tocou encontrava-me no local onde estou todas as manhãs. Do outro lado da linha uma voz não familiar certificava-se que eu era a destinatária da mensagem. Pediram-me para me dirigir ao hospital; tinhas sofrido um grave acidente de viação e a situação clinica era deveras complicada. Não fui bem-sucedida na tentativa de saber mais pormenores sobre o ocorrido, a pessoa que ligou deve ter notado na voz o quanto a notícia me transtornou. Depois de terminar a conversa mantive-me imóvel, sem reação, com o telemóvel silencioso encostado ao ouvido. Deixei de ter noção do que acontecia à minha volta; confesso que por momentos, deixei de fazer ideia até de quem era. Atordoada com o teor da notícia apanhei um meio de transporte para a outra margem do Tejo. Demorei aproximadamente meia hora para chegar ao Hospital. A urgência hospitalar estava com o movimento próprio de uma semana que antecedia um feriado prolongado durante o fim-de-semana. Não era uma semana normal estávamos em plena época Pascal. Dirigi-me ao guichet de informações e relatei a conversa, a senhora do outro lado do vidro, pediu-me para aguardar na sala de espera até alguém falar comigo. Não demorou muito tempo até aparecer na sala de espera uma senhora de bata branca com uns papéis na mão – presumi que era comigo que ela pretendia falar - começou por explicar o quadro clinico e  os procedimentos adotados. Com o estado psicológico debilitado retive pouco das palavras «tratou-se de um acidente de automóvel muito violento, fizemos o que nos era possível, infelizmente o diagnóstico é muito reservado» - senti de novo aquela sensação que há menos de uma hora me invadira, uma espécie de cratera abria-se diante dos pés puxando o meu corpo para o fundo. Depois da médica se afastar, respirei profundamente e caminhei com passos curtos até ao piso da Unidade de Cuidados Intensivos. Com a dor de sofrimento estampada no rosto uma enfermeira dirigiu-me palavras solidárias «lamento, tenha força». Não lhe respondi por dificuldade verbal em articular as palavras, por essa altura um mar de lágrimas brotavam dos meus olhos. Fiquei parada junto à cama a olhar incrédula para um rosto que não reconheci como teu. Fixei a visão num tubo transparente inserido na tua narina direita, os olhos outrora de um castanho amendoado estavam fechados, os músculos do rosto flácidos deram-me a sensação que diante de mim estava um cadáver. Era ensurdecedor o som das máquinas a fazer o (im)possível para te manter ligado à vida. Doeu demais pensar que o corpo físico que estava ali à minha frente já não tinha alma – aquele corpo já não tinha consciência – estava simplesmente lá!

sábado, 19 de outubro de 2013

Era uma vez...



Neste dia tão especial gostava de escrever umas quantas palavras que nos anos seguintes assinalassem a data. Começo por dizer-te aquilo que muitas vezes ouviste da minha boca: o quanto fiquei grata ao destino por um dia nos ter cruzado. Somos o exemplo que mesmo há distância os  sentimentos quando são fortes não morrem. O sentimento de amizade é de tal forma intenso que quando une determinadas pessoas é para sempre! Amigo é toda aquela pessoa que nos estende as mãos sem que nós peçamos para o fazer. Falar sobre  ti é fácil e simultaneamente difícil. É fácil porque tu és um excelente ser humano. Difícil porque receio não ter a habilidade suficiente para  exprimir num punhado de letras toda a ternura que sinto por ti. Os laços que nos unem são um conjunto de afetos de tal forma verdadeiros que até em simples frases que me diriges sinto sempre o teu ombro amigo como um porto de abrigo pronto a  proteger. Mas vamos falar de ti. Hoje quando vi as fotos que assinalavam o momento tão especial para o resto dos teus dias, os meus olhos instantaneamente, foram invadidos por lagrimas e o meu coração encheu-se de uma grande alegria. O espaço histórico que vos acolheu conferiu a necessária solenidade ao ato, onde ambos os protagonistas pareciam retirados de um magnifico conto de fadas. E, tal como sempre acontece nesses contos infantis, os meus sinceros votos viajam até ao final da vossa história onde reza:“…e, viveram sempre felizes para todo o sempre”!

sábado, 12 de outubro de 2013

Uma escada para o céu


Não me recordo do dia em que a D. Ana partiu. Talvez já em criança gostasse de preservar as lembranças boas em detrimento das más. Costumava visitá-la mais amiúde durante as férias escolares. Foi ela que me ensinou a arte do croché, fazíamos pequenas rosetas que depois de unidas resultavam num conjunto muito agradável de visualizar e aos meus olhos pareciam coisa de grande habilidade. Creio que a D. Ana tinha a paciência das senhoras de outros tempos que não se importavam em dispensar  atenção às crianças que as procuravam. Já não recordo o pretexto que utilizava para lhe tocar à porta e depois galgar a grande escadaria até ao quatro-andar onde ela residia. O prédio não dispunha de elevador, talvez por isso a D. Ana raramente saia de casa. Sempre a conheci doente e, também não me recordo do nome da enfermidade que lhe dificultava muito os movimentos físicos. A D. Ana passava grandes períodos do dia sozinha e talvez por isso gostava de me receber para ajudar a quebrar um pouco o isolamento. Ela era mãe do meu amigo de infância Toni, o seu filho mais novo. Tinha outro filho varão de nome Carlos. O marido António devido à doença da esposa desdobrava-se entre o sustento da casa e as compras domésticas. Não chorei a morte da D. Ana porque aos olhos de uma criança de oito, nove anos o sentimento de perda é de difícil compreensão. Faço-o agora. Ao escrever esta memória sinto um ligeiro aperto no coração ao mesmo tempo que as lágrimas invadem o meu olhar. Neste momento eu própria tenho mais idade do que aquela que a D. Ana possuía no tempo em que a visitava. Tenho dificuldade em lembrar-me dos traços do seu rosto, ou mesmo da cor dos seus cabelos mas guardo comigo a melhor de todas as recordações, a amabilidade, a ternura do seu olhar. Devido à doença que a atormentava nem consigo imaginar o enorme esforço fisco que ela despendia só para me abrir a porta de casa. Onde quer que esteja desejo-lhe um merecido descanso ao mesmo tempo que lhe agradeço por ela pertencer às felizes memórias da minha infância.  

domingo, 22 de setembro de 2013

Conversas dos outros

Esta história tem mais de vinte anos tem exactamente vinte e dois para ser precisa. Foi pela mão de uma querida amiga que conheci um médico daqueles há moda antiga que para além das competências de medicina auscultava mais do que o interior dos seus doentes permitia. Independentemente de se ter hora marcada para uma consulta com o Dr. Vinagre os seus utentes já sabiam que podiam esperar mais do que habitual pela sua vez de atendimento. Este médico estava há muito em Sintra. Todos o conheciam e por todos era estimado. Não sei se algum dia soube a sua especialidade clínica  mas pouco importa, ele era competente no seu ofício e, além disso gostava do que fazia e das pessoas que vinham até ele. Existem profissões técnicas para as quais não basta possuir aquele tipo de inteligência acima da média da população há que juntar competências humanas. Na minha opinião apenas a junção da técnica com características vocacionais permite o desempenho de excelência aos médicos, aos assistentes sociais, aos juízes, aos enfermeiros, aos professores e a tantas outras profissões que lidem directamente com pessoas. Não me irei dispersar vou voltar a falar do Dr. Vinagre. Como há pouco relatei a minha amiga era sua paciente e no conhecimento dele confiava para realizar os diagnósticos clínicos e para receber conselhos pessoais. Houve um dia que fiquei doente e ela não só me aconselhou este médico para  curar a minha enfermidade da altura como ela própria me acompanhou à consulta. Se ela confiava nas aptidões deste médico eu confiava mais ainda nas aptidões dela. A relação que desenvolvi com ela em tantos anos para mim só tem equivalência com o tipo de relação que desenvolvi com a minha irmã de sangue. Só por curiosidade quando me casei tive o direito a ter duas madrinhas, a minha irmã e a minha amiga de coração. Talvez tivesse sido esta a fórmula que encontrei alguns anos mais tarde para homenagear uma pessoa que influenciou de maneira tão positiva o meu trajecto de vida. Mas não é dela que quero falar. É certo que muitas das características do Dr. Vinagre me foram contadas por ela mas, também, tive o privilégio de  escutar pessoalmente (pelo menos uma vez) algumas das suas histórias. O que me fascinou naquele médico foi o método simples que utilizava para entrar nas “vidas das outras pessoas”.  Contou-nos no dia da consulta que em qualquer lugar por onde passava observava os comportamentos dos outros, escutava as suas conversas, e depois das pessoas partirem imaginava os seus quotidianos. Disse-nos que uma vez num supermercado não conseguia ouvir bem a conversa entre duas pessoas então aproximou-se das senhoras, mexeu num dos produtos da prateleira para disfarçar a intromissão e poder ouvir melhor o que falavam. Outras vezes dizia, sentava-se num banco de jardim e direccionava o olhar e os sentidos para escutar as conversas e ali ficava horas. Dizia que ganhava novas experiências de vida apenas como observador. Há muito que o Dr. Vinagre já não está entre nós. O que impressiona é verificar que alguém com quem tive tão pouco contacto me deixou um legado para o resto dos meus dias. Talvez por possuir algumas das suas características de observação, também, gosto de direccionar os meus sentidos para os diálogos dos outros e, tal, como ele, imagino os seus quotidianos depois de partirem. É um exercício solitário entre a multidão, onde me abstraio de muitos sons e imagens para me fixar em determinadas pessoas. É com este tipo de matéria-prima que muitas vezes construo as minhas histórias inventadas que de ficção podem ter apenas os nomes de alguém com quem nunca falei mas com quem tive o privilégio de me cruzar.

sábado, 21 de setembro de 2013

O texto que não irei escrever

Decerto não encontraria as palavras corretas para exprimir o momento. Lamento dizê-lo mas é a minha falta de jeito para escrita que não permite avançar com frases belas, daquelas que arrancam lágrimas ou sorrisos a quem passa os olhos por uma página cheia de letras. Deixo aquele pequeno instante guardado na memória. O tempo encarregar-se-á de transformar os sons e as imagens numa espécie de película de cinema. Tenho a certeza que o melhor lugar para guardar uma boa memória é  num  baú recheado  de  saudades. Sem sombra de dúvidas que aquela coisa chamada destino, existe! Por vezes até damos conta que somos uns meros peões num jogo de xadrez no qual não pedimos para participar e do qual desconhecemos a jogada seguinte. Acho que afinal tenho muito para aprender. Ainda tenho que aprender a controlar melhor as emoções. 

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Artur

Esta semana lembrei-me do Artur. O amigo de infância do meu pai e ele próprio pai da minha amiga de infância Cristina. Sempre que invoco a minha amiga Cristina junto de outras pessoas acrescento-lhe mais um nome que não é o apelido de família mas apenas o nome de seu  pai, ela é  a Cristina do “Artur”. Só no funeral do meu pai há três anos  soube que o Artur o conhecia  desde os onze anos; do tempo dos moços de recados da Praça da Ribeira em Lisboa. O Artur contou-me esta memória na noite do velório. Estávamos ambos sentados num canto da sala e estivemos largo tempo à conversa sobre memórias passadas. Falou-me dos tempos difíceis em que muitas crianças carregavam às costas fardos demasiado pesados para corpos ainda em desenvolvimento. Fizeram-se, assim, homens, dirão alguns…sim, é verdade, foram todos frutos de uma época onde a sobrevivência familiar impunha o trabalho em idades precoces. Mas convínhamos que aqueles homens pequeninos eram ainda crianças cujas infâncias tinham sido trocadas pelas responsabilidades de gente adulta. O Artur falou-me da doença cardiovascular cerebral que fustigou o meu pai em demasiados anos. O Artur lamentou ter ficado muito tempo sem  ver o amigo e sem o esquecer. A minha família deixou a casa onde éramos vizinhos. Talvez por isso a minha amiga de infância Cristina não me acompanhou no trajeto de adolescente e tão pouco em idade adulta. É verdade que ainda fui ao seu casamento. Também a convidei para o meu mas ela por motivos profissionais não compareceu. Até ao dia do velório do meu pai estive sempre convencida que o relacionamento das nossas famílias se tinha iniciado quando os meus pais decidiram morar em Almada. Mas isso afinal foi mais uma daquelas coincidências de vida que ligou em sessenta anos os percursos de dois homens. Naquela noite de pesar o Artur quis prestar a ultima homenagem ao seu amigo de sempre. Ficar-lhe-ei sempre grata por ele ter estado connosco naquela noite como agradeço a muitas outras pessoas que estiveram connosco partilhando o nosso sofrimento. Os rituais de despedida servem para confortar os vivos; servem para aliviar a dor que se apodera do nosso interior. Nem sei muito bem porquê numa manhã de outono ao acordar me lembrei do Artur; embora seja verdade que todos os dias recordo o meu pai…talvez, seja por isso, a lembrança do meu pai levou-me até ao seu amigo Artur. Outra explicação direciona o meu subconsciente para o filme que assisti na noite anterior antes de adormecer. No filme falava-se muito de amizade; daquele tipo de amizades que se perpetuam no tempo sem a necessidade de regras onde ser-se amigo implica apenas o facto das pessoas sentirem as emoções. Não me recordo se o Artur chorou na despedida do meu pai, mas creio que o deve ter feito - recordo vê-lo chorar quando o seu clube de futebol perdia. A recordação que guardo dele é de um homem sensível. Àquele homem franzino e de sorriso nos lábios, agradeço muitas outras lembranças do meu tempo de criança memórias com certeza mais felizes do que aquelas que ambos vivenciamos naquele dia.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Uma história com final...(talvez) feliz!

Hoje amiga lembrei-me de ti, hoje  em particular porque se trata de uma data especial! Também, lembrei de mim  até porque as datas dos nossos enlaces se separam por um ano e um dia. Eu em alguns dias continuo a sonhar, noutros, acho que os sonhos me foram roubados, mas continuo a acreditar, tu pelo contrário já partiste. O teu trajeto foi interrompido. Embora com pesar desejo que repouses em paz. Lembrei-me de te homenagear com uma história, uma daquelas que descreve um amor interrompido, mas cujo o final talvez seja feliz…



Com passos curtos e sempre em silêncio chegaram à Igreja onde tinham trocado votos. Entraram no espaço sagrado sem dizer palavra. O acto foi todo  ele muito solene. Sentaram-se lado a lado na primeira fila de bancos e pregaram os olhos no púlpito junto ao altar. Sem nunca trocarem olhares engoliram na garganta as lágrimas que se amontoavam nos olhos. Recordaram o dia em que juraram amar, respeitar até que a morte os separasse. Naquele dia há muitos anos pensaram que aquela felicidade duraria para sempre. Sentados lado a lado desejaram dar um abraço, qualquer coisa de mágico que os pudesse amarrar para o resto da vida. Desejaram  mas não o fizeram, permaneceram sempre em silêncio na esperança que Deus os ajudasse a encontrar o caminho. Estiveram, assim, um tempo, não mais que uma hora. Tocaram-se dando o sinal que deviam levantar-se e sair. Desceram as escadas da Igreja, de rosto fechado e sem palavras. Na porta, encostaram os rostos, beijaram-se na  face e  despediram-se. Haviam de voltar àquele local sempre que quisessem sem ressentimentos ou mágoas. Há dias onde o inesperado acontece e onde os corações separados se voltam a encontrar. Há dias em que se acredita que o impossível pode ser sempre possível.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

AS FÉRIAS – parte VIII: Na hora da despedida

Os dias de descanso no Algarve estão  a terminar. Já tenho na mala as roupas e tudo aquilo que considerei essencial para as férias. É costume no dia da partida fazer praia de manhã, almoçar e sair. Não há dúvida que estes dias de férias foram óptimos, o sol marcou presença e água do mar esteve sempre fantástica! Hoje o ritual das limpezas voltou a iniciar-se, a mãe quer que a casa fique arrumada para quem vier a seguir. A casa situa-se numa aldeia onde até há uns anos atrás quase todas as pessoas se conheciam. Era frequente passar na rua e ver as chaves no exterior das fechaduras; os habitantes, alguns já idosos, sentiam-se completamente seguros dentro da sua aldeia. Muitos desses idosos já partiram; algumas das habitações foram entretanto recuperadas pelos familiares e com o intuito de homenagearem  as suas memórias  colocaram placas de cerâmica nas fachadas exteriores com a inscrição “casa da avó” ou “casa dos avós”, numa clara demonstração de carinho. A avó contou-me que houve um ano quando a mãe e o tio ainda eram pequenos uma senhora que ia a passar na rua e vendo a porta da habitação aberta foi ver quem lá se encontrava. A senhora procurava a tia Isabel, mas não a tendo encontrado não se importou e iniciou uma agradável conversa com avó que demorou horas. A avó ficou a saber que a D. Guilhermina uma querida senhora septuagenária que residia perto de Lisboa tinha por tradição ficar nos meses mais quentes em terras algarvias. O que mais tocou a avó durante a conversa foi quando a senhora a informou que era madrinha da Paula Mateus uma antiga amiga da tia Isabel. A mãe recordou-se das conversas que mantinha em adolescente com a tia Isabel. Pessoalmente a avó nunca conheceu a Paula mas era como se a conhecesse desde sempre. A tia Isabel, a Paula e a prima desta a Ana foram amigas inseparáveis durante anos e mesmo quando as férias terminavam davam notícias por carta. Sim, por carta, porque as tecnologias tipo telemóvel ou email, na altura não eram acessíveis, nem vulgares como presentemente. A Paula Mateus foi criada desde tenra idade pela D. Guilhermina e o amor que as unia era extremamente forte. O casamento da Paula realizou-se em Sintra, um lugar mágico e perfeito para unir duas almas. O infortúnio infelizmente bateu à porta desta família. Pouco tempo depois da realização do enlace, a Paula, o marido e uma irmã deste seguiam em viagem quando ocorreu um grave acidente! Uma ultrapassagem nocturna que não foi bem calculada ceifou a vida aos três ocupantes da viatura. A tristeza sentida foi imensa. Mesmo passados anos depois da despedida a tia Isabel devido ao desgosto que sentiu, confidenciava que às vezes passava em lugares por onde lhe parecia visualizar a amiga. Já estamos a rodar na estrada algum tempo, o Miguel cansado, acabou por adormecer. O pai já nos informou que só vai fazer alguma paragem se houver necessidade caso contrário a próxima paragem será em casa. Também fico contente por voltar a casa! Alegra-me quando na autoestrada começo a ver placas com indicação dos quilómetros que faltam para chegarmos ao nosso destino. Quando passamos Alcácer do Sal, falta já pouco para a viagem terminar. Entretanto, o Miguel acorda e pergunta quanto tempo falta para chegarmos a casa, a mãe responde–lhe: 
- Quando aquela montanha além nos parecer cada vez maior estamos quase em casa! Ao longe no horizonte já se deslumbra a bonita Serra da Arrábida.
                                          -  Fim  -

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

AS FÉRIAS – parte VII : Amigos para sempre


É quase sempre à hora das refeições que o Sr. Simão é recordado. Principalmente quando as sardinhas e os carapaus saem do fogareiro a carvão e são colocadas no prato. O Sr. Simão adorava comer as sardinhas no pão ao mesmo tempo que elogiava o petisco. Sempre que a avó está connosco costuma dizer que este velhote ficará para sempre no coração de todos porque era muito simpático! E, acrescenta quando a hora dele chegou, ele não disse adeus, apenas sorriu, porque o adeus é para quem morre e nós prometemos ser sempre amigos. O Sr. Simão partiu em Junho de 2010, um mês antes de completar a bonita idade de 85 anos. Ele possivelmente é uma das provas que trabalhar afinal dá saúde. Até completar os 81 anos de vida  esteve sempre ao serviço dos paroquianos em Almada; sendo o primeiro chegar para abrir as portas da Igreja Nossa Sra. da Assunção (Igreja Nova) e nunca tinha hora de saída. Também não tinha relação de parentesco com a nossa família mas era como tivesse. A relação de afeto que estabeleceu connosco e, principalmente com a minha tia Isabel, durou toda a vida; era padrinho dela por batismo, mas a relação de ambos só é comparável ao amor de um pai para uma filha e vice-versa. Tal amor puro e verdadeiro só acontece quando duas almas se tocam. Reza a história que o Sr. Simão era visita diária da casa dos meus bisavôs por não ter família em Almada e desde cedo criou laços profundos com a mais pequenita da família. Conta-se quando  a campainha tocava a tia Isabel corria de imediato para a porta da entrada na expectativa de ganhar uma qualquer guloseima. Diz-se que foi a tia Isabel que o escolheu para padrinho. Foi o Sr. Simão que apresentou o Algarve às duas irmãs e elas homenagearam-no elegendo a sua terra natal como o melhor destino de férias de Portugal. Manteve sempre uma vontade de viver até ao limite das suas forças, mesmo quando as pernas já teimavam em não obedecer às ordens do seu espírito jovem. As doenças só se agravaram ou apareceram no momento em que deixou de trabalhar. É ao Sr. Simão que as duas irmãs entregam simbolicamente “as chaves da casa do Algarve” quando regressam a Lisboa. Lembram-se de vos contar no início destas crónicas de férias que houve um dia em que uns artistas não convidados entraram na casa, o que na altura não vos disse foi que para além da sujidade e da desarrumação eles não levaram absolutamente nada! Termino esta crónica com a frase que o Sr. Simão não se cansava de repetir às duas irmãs quando elas eram crianças e mesmo em idade adulta: – “Eu sou o Simão Leal Figueiras e moro na Rua das Amendoeiras” – Na realidade não morava, o nome da rua é outro, mas na terra que o viu nascer outrora existiam campos cobertos com a linda a flor da amêndoa. As amendoeiras sendo as primeiras árvores a florescer no fim do inverno, o nome em hebraico significa “aquele que desperta”. (continua)

terça-feira, 20 de agosto de 2013

AS FÉRIAS – parte VI : os visitantes estrangeiros


É importante chegar cedo à praia  para escolhermos os melhores lugares para as toalhas. O nosso quinhão de areia deve preferencialmente ter uma vista privilegiada para o mar sem a obstrução de algum chapéu-de-sol. A primeira linha de praia confere o privilégio de eu e o meu irmão ficarmos mais tempo dentro de água sob o olhar vigilante da mãe que não consegue aproveitar o sol enquanto nós não sairmos. O Miguel ainda não sabe nadar coisa que inquieta os pais, porque tem a mania de se atirar às ondas. Este ano os pais vão voltar a inscrevê-lo nas aulas de natação com o compromisso dele ao fim-de-semana se levantar cedo e não faltar. Eu penso frequentar as aulas de ginástica rítmica numa colectividade desportiva perto da nossa residência. Terei que ter alguns cuidados porque em Maio sofri uma lesão no pé  que me obrigou a ter sessões de fisioterapia. Na praia a mãe e o pai têm uma estratégia para impedir as possíveis brigas entre mim e o Miguel vão alternando a posição das nossas toalhas com as deles. No entanto a mãe tem sempre uma surpresa quando sai da água e chega às toalhas porque nunca estão na posição em que ela as deixou porque tanto eu como o Miguel gostamos de ficar lado a lado. Sorrio. Como sempre acontece no Verão as praias algarvias enchem-se de visitantes estrangeiros e a nossa também não é disso excepção. No areal há um burburinho de línguas que se assemelha à Torre de Babel. Fixo a minha atenção num grupo de franceses. Eu e a mãe muitas vezes brincámos uma com a outra sobre a proveniência dos turistas. Nunca se ouviu falar tanto francês como este ano, diz a mãe. O pai justifica dizendo que tal pode  ser consequência dos conflitos sociais que estão a ocorrer no norte de África. Algumas estâncias turísticas na Tunísia e, principalmente, no Egipto devem este ano registar prejuízos significativos com esta mudança de rota. Com o mal dos outros quem lucra é a economia portuguesa. A par dos muitos franceses também se deslumbram nas ruas e nas praias muitos espanhóis. Os “nuestros hermanos” e os “franceses dos croissants” parecem gostar muito de Portugal, ainda bem! Este ano os ingleses e os alemães aparentemente estão em minoria, pelo menos na zona do barlavento algarvio onde nos encontramos. Eu e a mãe temos algumas brincadeiras em relação aos visitantes estrangeiros. Às vezes as duas deitadas nas toalhas “disfarçadamente” tentamos escutar as suas conversas e perceber se os seus hábitos são muito distintos dos nossos. Passados alguns dias já conhecemos as rotinas dos nossos vizinhos de praia e se por acaso algum se atrasa comentamos uma com a outra o que terá acontecido ao “Napoleão Bonaparte” ou ao “D. Quixote"  consoante seja a nacionalidade para não ter chegado ainda ao areal. Até tenho uma história engraçada para contar sobre o que aconteceu há dias quando a mãe se dirigiu à peixaria de uma grande superfície comercial para comprar o almoço. Devo primeiro referir que eu e a mãe temos algumas semelhanças  com os povos do norte da Europa, ambas temos olhos e cabelos claros, o que pode às vezes baralhar a questão da nacionalidade. Dizia eu que a mãe chegou ao balcão da dita secção de peixe e a senhora que atendia os clientes não reconhecendo a nacionalidade da mãe, começou por a cumprimentar em sotaque algarvio: - “Good morning!”, seguido de “may I help you?” - ao que a mãe respondeu a sorrir que ela podia falar em português porque percebia. Mas o melhor da situação foi a conversa mantida com a outra colega que arrumava o peixe na bancada que ao magoar-se com uma caixa, proferiu um palavrão e, quando a mãe respondeu em português à colega que atendia ao balcão ficou deveras incomodada e perguntou:
- Você ouviu o que eu disse? Ao que a mãe respondeu afirmativamente. Essa resposta mais a envergonhou que além do pedido de desculpas prontificou-se em ir  à câmara frigorífica buscar os peixes mais frescos para vender e com este gesto compensá-la pelo seu deslize verbal. A mãe só ria com o sucedido ao mesmo tempo que dizia à senhora: - Deixe lá isso! Esqueça o assunto! De volta a casa a fim de prepararmos o almoço riamos a bom rir com a situação. E, garantidamente naquela refeição foi servido o peixe mais fresco de todo o Algarve!

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

AS FÉRIAS – parte V: Bateu uma saudade…

Levantei-me cedo para  aproveitar convenientemente todos os raios de sol. Ontem à noite, estive horas a falar com a avó ao telemóvel, a minha sorte (ou melhor dos meus pais) é pertencemos à mesma rede móvel e não pagarmos as chamadas com o mesmo plano tarifário. Eu e a avó temos sempre muitas coisas para contarmos uma à outra e facilmente perdemos a noção do tempo. Ontem foi a  mãe que a dado momento interrompeu a nossa conversa para eu ir jantar. Lamento o facto deste ano, os avós não passarem as férias connosco. Depois de reformados a avó e o avô deixaram de planear as férias de acordo com o calendário de trabalho mas têm o cuidado de adequar as férias seguindo a calendarização escolar para ficarem com os netos. Também pesou na decisão dos avós de não virem nesta época ao Algarve, o facto da nossa família ter aumentado. O tio Alexandre que foi pai recentemente combinou com a minha mãe, ele, a tia e o pequeno Rafael,  na próxima sexta-feira deslocarem-se ao Algarve para passarem connosco o fim-de-semana. Agora, só desejo quando descer as escadas a mãe já tenha dado o pequeno-almoço ao meu irmão Miguel para eu saborear descansada a principal refeição do dia. Com este pensamento não resisto em esboçar um sorriso na cara. Adoro o meu irmão mas às vezes ele é muito chato! Este fim-de- semana vai ocorrer um festival dentro da pequena casa algarvia. Ora, vejamos, quatro adultos, o meu irmão de oito anos, eu, com treze e o pequeno Miguel que ainda não completou três meses. Já estou a imaginar o meu irmão Miguel cheio de ciúmes porque deixou de ser a casula da família. Sinto cada vez mais saudades da minha avó, ela faz-nos falta para ajudar a organizar as nossas rotinas diárias. A avó tem solução para tudo e, ainda, tem tempo, para colocar água na fervura sempre que a mãe se zanga comigo ou com o meu irmão. Adoro as histórias que ela conta, principalmente, aquelas que envolvem a mãe numa idade semelhante àquela que eu e o meu irmão temos. A avó já me avisou que estou a entrar na etapa da vida mais parva que ela conheceu – a adolescência. Parece que nesta fase, que marca a transição entre a infância e a idade adulta, os jovens esticam a corda até mais não poderem e, ficam na expectativa de ver em que extremidade esta rebenta. Um dia a avó contou-me que a mãe, que está sempre a protestar comigo porque às vezes esqueço-me de levantar o prato da mesa fazia o mesmo por sistema! Então a D. Ana que agora vive a impor regras de boa conduta aos filhos, em adolescente era a rainha das desobedientes, nem consigo acreditar em tal coisa e deixo sair da boca uma sonora gargalhada. – Então, Ana Raquel, desces ou ficas no quarto toda a manhã? São as palavras da mãe que me colocam de novo na realidade, desço a escadas num ápice e  com um sorriso trocista dou os bons-dias aos pais e ao mano que entretanto iniciaram o ataque às torradas. 



AS FÉRIAS – parte IV: Uma noite sem dormir

De regresso a casa o avô trazia  na mão sacos com alguns alimentos para confortarem as barrigas vazias. Embora a avó não tivesse realizado o milagre da limpeza tinha ficado bem perto de o conseguir. Depois de arrumada a casa de férias começava a ter um melhor aspecto. Embora as inquietações não tivessem ainda terminado pois havia que minimizar o risco de intrusão. O avô conhecendo as esquisitices da avó também tinha comprado novos pratos, copos e talheres. A refeição foi rápida e ligeira. Ficaram gratos por terem trazido na viagem a carne que tinha sobrado da refeição do dia anterior, naquela noite deu-lhes muito jeito. A avó tinha aproveitado a ausência do avô e dos filhos para ligar à tia Isabel para lhe dar conhecimento do ocorrido e, também, para combinarem entre elas o que podia ser deitado fora. A avó e a tia Isabel sentiram que as suas privacidades tinham sido devassadas por terceiros, ambas são muito ciosas do recheio da casa. Não lhes interessa o valor real dos pertences, na realidade para as duas irmãs o importante é preservarem a história, consideram-se fieis guardiãs daquele legado e de tudo fazem para manterem viva a memória daquele que foi mais do que um padrinho de baptismo da tia Isabel. Naquela casa centenária nasceu no início dos anos trinta do século XX o Sr. Simão e por lá viveu antes de partir para Lisboa na procura de melhores condições de vida. Mesmo à distância o Sr. Simão adorava a terra natal e a sua pequena casa que herdara dos pais. Findo o jantar o avô Manel carregou na bagageira do automóvel tudo o que foi tocado ou utilizado por terceiros sem autorização para depositar no contentor do lixo: uma poltrona de pano, uma cadeira de cozinha cujo tampo fora cortado com auxilio de uma faca, cobertores, lençóis, toalhas de banho, utensílios de cozinha. De novo em casa os avós prepararam as camas para dormir e recuperarem as energias depois de um dia com muito stress. Sabem como os avós improvisaram a protecção da casa? São exactamente nestes momentos de recordações que me congratulo por ter nascido no seio desta família. O avô barrou a porta das traseiras com o cabo de uma esfregona que encontrou e considerou ser obstáculo suficiente forte para deter uma eventual entrada de intrusos. A avó parece que não ficou muito convencida sobre a eficácia e terá tentado encostar a máquina de lavar a roupa junto à porta para servir de obstáculo pesado. Mas o avô afiançou-lhe que não havia necessidade dizendo-lhe que por aquela porta não passaria ninguém. A avó confidenciou-me que à socapa obstruiu a dita entrada com uma pá metálica e vários baldes, coisas que fizessem barulho. Na casa de banho onde o vidro tinha sido quebrado a avó colocou estrategicamente junto à janela, umas panelas de cozinha com as respectivas tampas que dariam sinal de alarme caso alguém entrasse. Seguidamente a porta da casa de banho foi fechada à chave. Reza a história que para além de uma noite sem dormir por parte dos avós não houve nenhum sobressalto a registar. A minha mãe e o tio acomodados num quarto tiveram uma noite de sono bastante tranquila sempre vigiados pela avó que de vez em quando se levantava da cama para verificar se tudo estava bem com os seus filhotes. (continua)

domingo, 18 de agosto de 2013

AS FÉRIAS – parte III: Imperioso superar os contratempos

Ao  defrontarem-se com uma realidade tão diferente daquela que esperavam encontrar na chegada depois da viagem de trezentos quilómetros poder-se-á afirmar com convicção que foram muitas as emoções que se apoderaram da mente. A minha avó mais emotiva, talvez pelo espanto, nem teve lágrimas para expressar a dor que sentiu. Num impulso pediu ao avô para regressar de imediato a casa. Afinal era por ela que todos  ali estavam para passar uns dias de férias. Foi pela mão da avó que o avô conheceu a terra algarvia ainda no tempo em que ambos ainda eram namorados. Depois de casados os filhos, primeiro a minha mãe e, depois o tio continuaram a viajar para lá sempre que os avós podiam. Aquela casa era uma espécie de fiel depositária de tantas histórias, onde várias famílias e vivências se cruzaram. A pequena casa estava situada numa zona privilegiada do Barlavento algarvio, perto da cidade e de belíssimas praias e ao mesmo tempo de uma considerável extensão de terreno plantado com árvores. Mediante tão horrendo cenário em silêncio a avó perguntava-se o que fazer? Não conseguiu encontrar uma sugestão, um caminho que lhe permitisse um pensamento que acalmasse a desolação interior. Foi o avô Manel que resolveu o assunto. Tomou a si a decisão de ficarem todos na casa e continuarem com o plano de férias inicialmente traçado. Segundo o avô todos colocariam mãos à obra e na manhã seguinte resolveriam todos os assuntos relacionados com a casa. Acho que esta tomada de decisão surpreendeu pela positiva a minha avó mais habituada a ser ela a  mais pragmática perante as adversidades. Mas desta vez não lhe coube o comando do leme, foi o avô que levou o barco em frente. Arregaçaram as mangas e decidiram as tarefas entre os dois. Tive conhecimento que a mãe e o tio permaneceram dentro do automóvel por largo tempo, entretidos numa qualquer brincadeira que inventaram no momento e que também teve a função de os tranquilizar. Entretanto o avô e a avó quiseram abrir a porta das traseiras da casa para acederem ao tal pátio que há pouco vos falei e foi nesse momento que deram conta que para além do uso indevido da habitação os malfeitores também se tinham apoderado da chave que abria essa porta. Era costume a tia Isabel deixar as chaves da porta das traseiras da casa num chaveiro na cozinha, perto do fogão, procedimento que facilitou a vida aos penetras dentro da habitação. Que situação bizarra, para além de uma janela arrombada e sem vidro, tinham agora uma porta nas traseiras da casa que podia ser aberta por alguém que não conheciam! O adiantado da hora já não permitia a substituição da fechadura. Este era mais um assunto com o qual teriam que se preocupar para lá poderem pernoitar. O avô informou a avó que teria de se apressar se quisessem comprar mantimentos para confortar as barrigas que começavam a dar sinal da falta de alimentos. Por esta altura a avó começava a tomar as rédeas da limpeza da habitação. Desejava para si própria conseguir levar a cabo a tarefa hercúlea de ter a casa minimamente aceitável quando o avô e os seus filhos regressassem das compras. Muniu-se dos detergentes que a tia Isabel deixava no armário das últimas férias e começou a limpeza das divisões. Protegeu as mãos com luvas e dirigiu-se à cozinha e colocou num grande saco plástico de cor preta os copos, as garrafas de vidro e plástico, todas as embalagens vazias, todo o lixo que encontrou. Seguiram-se a sala de estar, os quartos e por fim a casa de banho. Nesta última divisão foi aquela onde existiram as maiores dificuldades em apagar os vestígios dos indesejáveis visitantes. A utilização da casa de banho sem o recurso à água colocou o espaço num estado quase indescritível. Lixívia e mais lixívia havia que se utilizar todo o poder desinfectante e terminar de vez com as bactérias que por lá habitassem. O avô quando saiu para as compras interiormente acalentou a esperança que no regresso pudesse testemunhar o milagre da limpeza realizado pela avó. Convínhamos que o cenário  que  os  avós, a mãe e o tio encontraram não é  bem o cenário idílico  que se deseja para um bom início de férias. (continua) 

AS FÉRIAS – parte II: Incrédudos!

Reza a história que um dia quando chegaram à casa de férias, os avós, a mãe e o tio foram surpreendidos com um cenário bastante desagradável. Tinham realizado a viagem de automóvel de Lisboa ao Algarve sempre na expectativa de passarem uns dias tranquilos, totalmente, dedicadas ao sol e à praia e sem qualquer tipo de preocupações. Sabiam de antemão quando chegassem ao destino algumas tarefas domésticas teriam de se realizar, afinal havia três anos que não passavam férias na casa de praia. A casa é propriedade da irmã da minha avó. A ligação entre as duas irmãs é muito forte, poder-se-ia descrever como sendo umbilical. A diferença de idades entre as duas é pequena, três anos e meio. No entanto a avó sempre assumiu uma atitude protectora em relação à irmã mais nova de tal maneira que a tia Isabel algumas vezes sentiu-se incomodada com tanta dose de afecto  Na realidade a avó herdou este apego às pessoas da sua mãe, a minha bisavó Maria. Tanto a avó, como a Bi, como, carinhosamente, designo a avó Maria para a distinguir da filha só sabem gostar muito, o meio-termo, a tal posição intermediária entre dois excessos, não condiz nada com as suas formas de viver. Admiro o carisma destas três mulheres, todas elas diferentes entre si, mas todas detentoras de fortíssimas personalidades. Agora, imaginem, o que sentiram os avós ao abrirem a porta da entrada e ao entrarem na cozinha, se depararem para além do lixo que habitualmente passa pela frecha da porta principal e se acumula no corredor, com vários copos sujos em cima da mesa, garrafas de álcool meias vazias, cadeiras fora do lugar e gavetas dos móveis abertas. Os avós ficaram incrédulos! De divisão para divisão o cenário de intromissão repetia-se. Na sala de estar uma pequena poltrona de pano que durante anos serviu de cama estava aberta parecendo aguardar a chegada de alguém que não fora convidado, para dormir. Uma quantidade considerável de velas apagadas estavam espalhadas pelo chão, com certeza que teriam iluminado em alguma(s) noite(s) o(s) visitante(s) indesejável (eis). Garrafas vazias de um popular refrigerante, papéis e mais papéis do outrora rolo de cozinha, os invólucros dos chocolates que teriam servido de refeição quiçá durante a noite/dia completavam a mixórdia de lixo deixado no chão da divisão. Até uma das vassouras foi desmembrada! O cabo de madeira da vassoura foi separado do feixe de pelos  artificiais, depois foi lentamente cortado com recurso às facas do talher de jantar, para posteriormente ser transformado numa arma arcaica de defesa ou de ataque pessoal. Aparentemente o(s) penetra(s) não gostavam de dormir em camas, num dos quartos a velha cama branca de ferro forjado parecia intacta, a colcha estava esticada sem sinais de acomodação. Noutro os móveis foram remexidos, as roupas de cama, os lençóis e cobertores, bem como as toalhas de banho foram espalhados pela divisão. Foi por uma pequena janela da casa de banho que entraram na casa, partindo o vidro. A intromissão deu-se pelas traseiras da casa onde existe um pequeno pátio que alberga um fogareiro de pé alto onde o avô Manel costuma dar assas à imaginação com as suas delícias gastronómicas. Embora o dito pátio esteja ladeado por uma casa e por um muro alto, não foi obstáculo suficiente para conter as intenções dos malfeitores. A minha mãe, na altura uma adolescente, pegou no meu tio ainda pequeno e refugiaram-se ambos no automóvel, não quiseram por medo ou por desolação continuar a assistir ao penoso espectáculo. (continua)

AS FÉRIAS – parte I: Velhas Tradições

Uma parte das férias ainda é passada na casa bem ao sul de Portugal. Todos os anos desde há três gerações, pelo menos dez dias estão destinados ao sol. Quando o calor aperta, o clima, a água e as gentes algarvias, convidam à viagem por autoestrada que não demora mais de três horas. À chegada depois de se descarregarem as bagagens o ritual das limpezas repete-se ano após ano. Abrir as janelas da casa para arejar, limpar a poeira do chão que se vai acumulando ao longo dos restantes meses do ano. Por incrível que pareça a sensação de chegar à pequena povoação é sempre fascinante. Já se passaram anos desde a primeira vez que nos deram a conhecer o maravilhoso local. São muitas as histórias dignas de constarem num livro de viagens ou mesmo de emoções. Sim, porque a minha avó materna, sendo uma nata contadora de histórias, podia escrever muitos livros de temas bem diferentes. Sempre ouvi a minha avó dizer que escrevia para que as gerações futuras pudessem saber sobre as vivências dos antepassados. Acho que a minha avó decidiu relatar muitos dos seus momentos porque lamentava o facto dela em criança não ter sido suficientemente fotografada. Convínhamos que há cinquenta anos atrás as máquinas de fotografar  não eram do domínio público. Quem quisesse tirar uma foto teria que se deslocar a uma loja para o efeito. As câmaras instantâneas da Polaroid só se tornaram populares nos países desenvolvidos a partir dos anos setenta do século XX. A novidade de fotografar sempre que apetecesse, também chegou a Portugal em finais dos anos setenta e muito por culpa dos emigrantes. Deve-se a muitos dos compatriotas portugueses que partiram para outras paragens a divulgação das novidades electrónicas e de muitas outras espécies. A minha avó lamenta o facto de os pais não terem investido suficientemente nesse tipo de registo documental. Portanto ela atribui um significado muito especial a todas as fotos que possui desde o seu nascimento, da infância, da passagem pela escola primária, da adolescência. Não se precipitem a julgar a minha avó como sendo uma pessoa excêntrica. Se eu aplicar a palavra excêntrica para definir a minha avó é pela forma dela encontrar soluções não-convencionais para resolver as situações que nos surgem e nunca pela maneira de vestir ou falar. (continua)

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Diálogo entre gerações


Um dia antes de partirem rumo à aventura encheram um saco com umas t-shirts, uns calções, chinelos, toalhas, uns biquínis. Tenda de campismo e saco-cama, o essencial para as férias. A hora de saída já fora previamente combinada. A seguir ao pequeno-almoço as três amigas partiriam rumo ao sul, para assistirem ao festival de música. A praia e as noites de divertimento aguardavam a chegada. Nos próximos dias não existiriam horários a cumprir. Lá em baixo, já outros amigos as aguardavam. Finalizado o período escolar, naquelas cabeças de adolescentes, só havia lugar para poucas ideias: viajar para onde o sol parece brilhar com mais intensidade e divertirem-se com os amigos. Na infância as férias foram passadas na praia com as respectivas famílias. Marcava-se de um ano para o outro o aluguer da casa de férias para uma quinzena de dias. Entre os adultos, estes combinavam entre si, um fim-de-semana para se encontrarem numa das praias do Algarve. Todo o período da manhã era de praia a que se seguia um almoço que ocuparia a tarde. Os adultos conversavam alegremente uns com os outros. As crianças também se divertiam nesses encontros. Todos juntos formavam um grande grupo e punham em prática toda a espécie de brincadeira. Quando as crianças deixaram de ser crianças, os  agora jovens-adultos foram aos poucos dispensando os progenitores de os acompanhar nas férias. Trata-se na realidade de um dialogo entre gerações. Os pais depois dos filhos crescerem têm que encontrar um novo espaço de ocupação e de diversão. Os filhos seguindo o processo de desenvolvimento, aproveitam  os anos antes deles se tornarem país de família. Viver, é saber aproveitar cada momento que a vida oferece.

sábado, 3 de agosto de 2013

Ás vezes apetecia-me saber voar


A noite não foi nada repousante. Também não ajudou o café bebido no final do jantar. Decidi ingerir cafeína a poucas horas de dormir pelos quilómetros de condução que tinha ainda pela frente. Devo ter adormecido quando o corpo não  aguentou mais e a fadiga venceu o cansaço. Mas estivesse eu, tranquila quando me deitei, isto não aconteceria, pensei. Para trás ficou uma  conversa, uma excelente refeição, em boa companhia. Não que os assuntos tratados me pudessem tranquilizar, antes pelo contrário. Fico incomodada por não encontrar soluções perante os problemas. Bem que tentei encontrar pistas que mostrassem um rumo para as encruzilhadas que estavam em cima da mesa.  A conversa finalizou com as mesmas interrogações com que havia começado. Às vezes já cansa remar contra a maré, a idade nestas coisas também não perdoa. Talvez por isto, quando hoje me levantei, procurei a camisola que vestia quando soube da tua partida. Só a visto em ocasiões muito especiais. Se eu pudesse todos os dias a usava como uma segunda pele. Não o faço, tento estimar o tecido, quero que este dure o máximo de tempo possível. Asseguro quando um dia já não for  possível  vestir guardarei a camisola em pedaços para simbolicamente sentir-me junto de ti. Sabes, às vezes apetecia-me saber voar…