quinta-feira, 22 de agosto de 2013

AS FÉRIAS – parte VIII: Na hora da despedida

Os dias de descanso no Algarve estão  a terminar. Já tenho na mala as roupas e tudo aquilo que considerei essencial para as férias. É costume no dia da partida fazer praia de manhã, almoçar e sair. Não há dúvida que estes dias de férias foram óptimos, o sol marcou presença e água do mar esteve sempre fantástica! Hoje o ritual das limpezas voltou a iniciar-se, a mãe quer que a casa fique arrumada para quem vier a seguir. A casa situa-se numa aldeia onde até há uns anos atrás quase todas as pessoas se conheciam. Era frequente passar na rua e ver as chaves no exterior das fechaduras; os habitantes, alguns já idosos, sentiam-se completamente seguros dentro da sua aldeia. Muitos desses idosos já partiram; algumas das habitações foram entretanto recuperadas pelos familiares e com o intuito de homenagearem  as suas memórias  colocaram placas de cerâmica nas fachadas exteriores com a inscrição “casa da avó” ou “casa dos avós”, numa clara demonstração de carinho. A avó contou-me que houve um ano quando a mãe e o tio ainda eram pequenos uma senhora que ia a passar na rua e vendo a porta da habitação aberta foi ver quem lá se encontrava. A senhora procurava a tia Isabel, mas não a tendo encontrado não se importou e iniciou uma agradável conversa com avó que demorou horas. A avó ficou a saber que a D. Guilhermina uma querida senhora septuagenária que residia perto de Lisboa tinha por tradição ficar nos meses mais quentes em terras algarvias. O que mais tocou a avó durante a conversa foi quando a senhora a informou que era madrinha da Paula Mateus uma antiga amiga da tia Isabel. A mãe recordou-se das conversas que mantinha em adolescente com a tia Isabel. Pessoalmente a avó nunca conheceu a Paula mas era como se a conhecesse desde sempre. A tia Isabel, a Paula e a prima desta a Ana foram amigas inseparáveis durante anos e mesmo quando as férias terminavam davam notícias por carta. Sim, por carta, porque as tecnologias tipo telemóvel ou email, na altura não eram acessíveis, nem vulgares como presentemente. A Paula Mateus foi criada desde tenra idade pela D. Guilhermina e o amor que as unia era extremamente forte. O casamento da Paula realizou-se em Sintra, um lugar mágico e perfeito para unir duas almas. O infortúnio infelizmente bateu à porta desta família. Pouco tempo depois da realização do enlace, a Paula, o marido e uma irmã deste seguiam em viagem quando ocorreu um grave acidente! Uma ultrapassagem nocturna que não foi bem calculada ceifou a vida aos três ocupantes da viatura. A tristeza sentida foi imensa. Mesmo passados anos depois da despedida a tia Isabel devido ao desgosto que sentiu, confidenciava que às vezes passava em lugares por onde lhe parecia visualizar a amiga. Já estamos a rodar na estrada algum tempo, o Miguel cansado, acabou por adormecer. O pai já nos informou que só vai fazer alguma paragem se houver necessidade caso contrário a próxima paragem será em casa. Também fico contente por voltar a casa! Alegra-me quando na autoestrada começo a ver placas com indicação dos quilómetros que faltam para chegarmos ao nosso destino. Quando passamos Alcácer do Sal, falta já pouco para a viagem terminar. Entretanto, o Miguel acorda e pergunta quanto tempo falta para chegarmos a casa, a mãe responde–lhe: 
- Quando aquela montanha além nos parecer cada vez maior estamos quase em casa! Ao longe no horizonte já se deslumbra a bonita Serra da Arrábida.
                                          -  Fim  -

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

AS FÉRIAS – parte VII : Amigos para sempre


É quase sempre à hora das refeições que o Sr. Simão é recordado. Principalmente quando as sardinhas e os carapaus saem do fogareiro a carvão e são colocadas no prato. O Sr. Simão adorava comer as sardinhas no pão ao mesmo tempo que elogiava o petisco. Sempre que a avó está connosco costuma dizer que este velhote ficará para sempre no coração de todos porque era muito simpático! E, acrescenta quando a hora dele chegou, ele não disse adeus, apenas sorriu, porque o adeus é para quem morre e nós prometemos ser sempre amigos. O Sr. Simão partiu em Junho de 2010, um mês antes de completar a bonita idade de 85 anos. Ele possivelmente é uma das provas que trabalhar afinal dá saúde. Até completar os 81 anos de vida  esteve sempre ao serviço dos paroquianos em Almada; sendo o primeiro chegar para abrir as portas da Igreja Nossa Sra. da Assunção (Igreja Nova) e nunca tinha hora de saída. Também não tinha relação de parentesco com a nossa família mas era como tivesse. A relação de afeto que estabeleceu connosco e, principalmente com a minha tia Isabel, durou toda a vida; era padrinho dela por batismo, mas a relação de ambos só é comparável ao amor de um pai para uma filha e vice-versa. Tal amor puro e verdadeiro só acontece quando duas almas se tocam. Reza a história que o Sr. Simão era visita diária da casa dos meus bisavôs por não ter família em Almada e desde cedo criou laços profundos com a mais pequenita da família. Conta-se quando  a campainha tocava a tia Isabel corria de imediato para a porta da entrada na expectativa de ganhar uma qualquer guloseima. Diz-se que foi a tia Isabel que o escolheu para padrinho. Foi o Sr. Simão que apresentou o Algarve às duas irmãs e elas homenagearam-no elegendo a sua terra natal como o melhor destino de férias de Portugal. Manteve sempre uma vontade de viver até ao limite das suas forças, mesmo quando as pernas já teimavam em não obedecer às ordens do seu espírito jovem. As doenças só se agravaram ou apareceram no momento em que deixou de trabalhar. É ao Sr. Simão que as duas irmãs entregam simbolicamente “as chaves da casa do Algarve” quando regressam a Lisboa. Lembram-se de vos contar no início destas crónicas de férias que houve um dia em que uns artistas não convidados entraram na casa, o que na altura não vos disse foi que para além da sujidade e da desarrumação eles não levaram absolutamente nada! Termino esta crónica com a frase que o Sr. Simão não se cansava de repetir às duas irmãs quando elas eram crianças e mesmo em idade adulta: – “Eu sou o Simão Leal Figueiras e moro na Rua das Amendoeiras” – Na realidade não morava, o nome da rua é outro, mas na terra que o viu nascer outrora existiam campos cobertos com a linda a flor da amêndoa. As amendoeiras sendo as primeiras árvores a florescer no fim do inverno, o nome em hebraico significa “aquele que desperta”. (continua)

terça-feira, 20 de agosto de 2013

AS FÉRIAS – parte VI : os visitantes estrangeiros


É importante chegar cedo à praia  para escolhermos os melhores lugares para as toalhas. O nosso quinhão de areia deve preferencialmente ter uma vista privilegiada para o mar sem a obstrução de algum chapéu-de-sol. A primeira linha de praia confere o privilégio de eu e o meu irmão ficarmos mais tempo dentro de água sob o olhar vigilante da mãe que não consegue aproveitar o sol enquanto nós não sairmos. O Miguel ainda não sabe nadar coisa que inquieta os pais, porque tem a mania de se atirar às ondas. Este ano os pais vão voltar a inscrevê-lo nas aulas de natação com o compromisso dele ao fim-de-semana se levantar cedo e não faltar. Eu penso frequentar as aulas de ginástica rítmica numa colectividade desportiva perto da nossa residência. Terei que ter alguns cuidados porque em Maio sofri uma lesão no pé  que me obrigou a ter sessões de fisioterapia. Na praia a mãe e o pai têm uma estratégia para impedir as possíveis brigas entre mim e o Miguel vão alternando a posição das nossas toalhas com as deles. No entanto a mãe tem sempre uma surpresa quando sai da água e chega às toalhas porque nunca estão na posição em que ela as deixou porque tanto eu como o Miguel gostamos de ficar lado a lado. Sorrio. Como sempre acontece no Verão as praias algarvias enchem-se de visitantes estrangeiros e a nossa também não é disso excepção. No areal há um burburinho de línguas que se assemelha à Torre de Babel. Fixo a minha atenção num grupo de franceses. Eu e a mãe muitas vezes brincámos uma com a outra sobre a proveniência dos turistas. Nunca se ouviu falar tanto francês como este ano, diz a mãe. O pai justifica dizendo que tal pode  ser consequência dos conflitos sociais que estão a ocorrer no norte de África. Algumas estâncias turísticas na Tunísia e, principalmente, no Egipto devem este ano registar prejuízos significativos com esta mudança de rota. Com o mal dos outros quem lucra é a economia portuguesa. A par dos muitos franceses também se deslumbram nas ruas e nas praias muitos espanhóis. Os “nuestros hermanos” e os “franceses dos croissants” parecem gostar muito de Portugal, ainda bem! Este ano os ingleses e os alemães aparentemente estão em minoria, pelo menos na zona do barlavento algarvio onde nos encontramos. Eu e a mãe temos algumas brincadeiras em relação aos visitantes estrangeiros. Às vezes as duas deitadas nas toalhas “disfarçadamente” tentamos escutar as suas conversas e perceber se os seus hábitos são muito distintos dos nossos. Passados alguns dias já conhecemos as rotinas dos nossos vizinhos de praia e se por acaso algum se atrasa comentamos uma com a outra o que terá acontecido ao “Napoleão Bonaparte” ou ao “D. Quixote"  consoante seja a nacionalidade para não ter chegado ainda ao areal. Até tenho uma história engraçada para contar sobre o que aconteceu há dias quando a mãe se dirigiu à peixaria de uma grande superfície comercial para comprar o almoço. Devo primeiro referir que eu e a mãe temos algumas semelhanças  com os povos do norte da Europa, ambas temos olhos e cabelos claros, o que pode às vezes baralhar a questão da nacionalidade. Dizia eu que a mãe chegou ao balcão da dita secção de peixe e a senhora que atendia os clientes não reconhecendo a nacionalidade da mãe, começou por a cumprimentar em sotaque algarvio: - “Good morning!”, seguido de “may I help you?” - ao que a mãe respondeu a sorrir que ela podia falar em português porque percebia. Mas o melhor da situação foi a conversa mantida com a outra colega que arrumava o peixe na bancada que ao magoar-se com uma caixa, proferiu um palavrão e, quando a mãe respondeu em português à colega que atendia ao balcão ficou deveras incomodada e perguntou:
- Você ouviu o que eu disse? Ao que a mãe respondeu afirmativamente. Essa resposta mais a envergonhou que além do pedido de desculpas prontificou-se em ir  à câmara frigorífica buscar os peixes mais frescos para vender e com este gesto compensá-la pelo seu deslize verbal. A mãe só ria com o sucedido ao mesmo tempo que dizia à senhora: - Deixe lá isso! Esqueça o assunto! De volta a casa a fim de prepararmos o almoço riamos a bom rir com a situação. E, garantidamente naquela refeição foi servido o peixe mais fresco de todo o Algarve!

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

AS FÉRIAS – parte V: Bateu uma saudade…

Levantei-me cedo para  aproveitar convenientemente todos os raios de sol. Ontem à noite, estive horas a falar com a avó ao telemóvel, a minha sorte (ou melhor dos meus pais) é pertencemos à mesma rede móvel e não pagarmos as chamadas com o mesmo plano tarifário. Eu e a avó temos sempre muitas coisas para contarmos uma à outra e facilmente perdemos a noção do tempo. Ontem foi a  mãe que a dado momento interrompeu a nossa conversa para eu ir jantar. Lamento o facto deste ano, os avós não passarem as férias connosco. Depois de reformados a avó e o avô deixaram de planear as férias de acordo com o calendário de trabalho mas têm o cuidado de adequar as férias seguindo a calendarização escolar para ficarem com os netos. Também pesou na decisão dos avós de não virem nesta época ao Algarve, o facto da nossa família ter aumentado. O tio Alexandre que foi pai recentemente combinou com a minha mãe, ele, a tia e o pequeno Rafael,  na próxima sexta-feira deslocarem-se ao Algarve para passarem connosco o fim-de-semana. Agora, só desejo quando descer as escadas a mãe já tenha dado o pequeno-almoço ao meu irmão Miguel para eu saborear descansada a principal refeição do dia. Com este pensamento não resisto em esboçar um sorriso na cara. Adoro o meu irmão mas às vezes ele é muito chato! Este fim-de- semana vai ocorrer um festival dentro da pequena casa algarvia. Ora, vejamos, quatro adultos, o meu irmão de oito anos, eu, com treze e o pequeno Miguel que ainda não completou três meses. Já estou a imaginar o meu irmão Miguel cheio de ciúmes porque deixou de ser a casula da família. Sinto cada vez mais saudades da minha avó, ela faz-nos falta para ajudar a organizar as nossas rotinas diárias. A avó tem solução para tudo e, ainda, tem tempo, para colocar água na fervura sempre que a mãe se zanga comigo ou com o meu irmão. Adoro as histórias que ela conta, principalmente, aquelas que envolvem a mãe numa idade semelhante àquela que eu e o meu irmão temos. A avó já me avisou que estou a entrar na etapa da vida mais parva que ela conheceu – a adolescência. Parece que nesta fase, que marca a transição entre a infância e a idade adulta, os jovens esticam a corda até mais não poderem e, ficam na expectativa de ver em que extremidade esta rebenta. Um dia a avó contou-me que a mãe, que está sempre a protestar comigo porque às vezes esqueço-me de levantar o prato da mesa fazia o mesmo por sistema! Então a D. Ana que agora vive a impor regras de boa conduta aos filhos, em adolescente era a rainha das desobedientes, nem consigo acreditar em tal coisa e deixo sair da boca uma sonora gargalhada. – Então, Ana Raquel, desces ou ficas no quarto toda a manhã? São as palavras da mãe que me colocam de novo na realidade, desço a escadas num ápice e  com um sorriso trocista dou os bons-dias aos pais e ao mano que entretanto iniciaram o ataque às torradas. 



AS FÉRIAS – parte IV: Uma noite sem dormir

De regresso a casa o avô trazia  na mão sacos com alguns alimentos para confortarem as barrigas vazias. Embora a avó não tivesse realizado o milagre da limpeza tinha ficado bem perto de o conseguir. Depois de arrumada a casa de férias começava a ter um melhor aspecto. Embora as inquietações não tivessem ainda terminado pois havia que minimizar o risco de intrusão. O avô conhecendo as esquisitices da avó também tinha comprado novos pratos, copos e talheres. A refeição foi rápida e ligeira. Ficaram gratos por terem trazido na viagem a carne que tinha sobrado da refeição do dia anterior, naquela noite deu-lhes muito jeito. A avó tinha aproveitado a ausência do avô e dos filhos para ligar à tia Isabel para lhe dar conhecimento do ocorrido e, também, para combinarem entre elas o que podia ser deitado fora. A avó e a tia Isabel sentiram que as suas privacidades tinham sido devassadas por terceiros, ambas são muito ciosas do recheio da casa. Não lhes interessa o valor real dos pertences, na realidade para as duas irmãs o importante é preservarem a história, consideram-se fieis guardiãs daquele legado e de tudo fazem para manterem viva a memória daquele que foi mais do que um padrinho de baptismo da tia Isabel. Naquela casa centenária nasceu no início dos anos trinta do século XX o Sr. Simão e por lá viveu antes de partir para Lisboa na procura de melhores condições de vida. Mesmo à distância o Sr. Simão adorava a terra natal e a sua pequena casa que herdara dos pais. Findo o jantar o avô Manel carregou na bagageira do automóvel tudo o que foi tocado ou utilizado por terceiros sem autorização para depositar no contentor do lixo: uma poltrona de pano, uma cadeira de cozinha cujo tampo fora cortado com auxilio de uma faca, cobertores, lençóis, toalhas de banho, utensílios de cozinha. De novo em casa os avós prepararam as camas para dormir e recuperarem as energias depois de um dia com muito stress. Sabem como os avós improvisaram a protecção da casa? São exactamente nestes momentos de recordações que me congratulo por ter nascido no seio desta família. O avô barrou a porta das traseiras com o cabo de uma esfregona que encontrou e considerou ser obstáculo suficiente forte para deter uma eventual entrada de intrusos. A avó parece que não ficou muito convencida sobre a eficácia e terá tentado encostar a máquina de lavar a roupa junto à porta para servir de obstáculo pesado. Mas o avô afiançou-lhe que não havia necessidade dizendo-lhe que por aquela porta não passaria ninguém. A avó confidenciou-me que à socapa obstruiu a dita entrada com uma pá metálica e vários baldes, coisas que fizessem barulho. Na casa de banho onde o vidro tinha sido quebrado a avó colocou estrategicamente junto à janela, umas panelas de cozinha com as respectivas tampas que dariam sinal de alarme caso alguém entrasse. Seguidamente a porta da casa de banho foi fechada à chave. Reza a história que para além de uma noite sem dormir por parte dos avós não houve nenhum sobressalto a registar. A minha mãe e o tio acomodados num quarto tiveram uma noite de sono bastante tranquila sempre vigiados pela avó que de vez em quando se levantava da cama para verificar se tudo estava bem com os seus filhotes. (continua)

domingo, 18 de agosto de 2013

AS FÉRIAS – parte III: Imperioso superar os contratempos

Ao  defrontarem-se com uma realidade tão diferente daquela que esperavam encontrar na chegada depois da viagem de trezentos quilómetros poder-se-á afirmar com convicção que foram muitas as emoções que se apoderaram da mente. A minha avó mais emotiva, talvez pelo espanto, nem teve lágrimas para expressar a dor que sentiu. Num impulso pediu ao avô para regressar de imediato a casa. Afinal era por ela que todos  ali estavam para passar uns dias de férias. Foi pela mão da avó que o avô conheceu a terra algarvia ainda no tempo em que ambos ainda eram namorados. Depois de casados os filhos, primeiro a minha mãe e, depois o tio continuaram a viajar para lá sempre que os avós podiam. Aquela casa era uma espécie de fiel depositária de tantas histórias, onde várias famílias e vivências se cruzaram. A pequena casa estava situada numa zona privilegiada do Barlavento algarvio, perto da cidade e de belíssimas praias e ao mesmo tempo de uma considerável extensão de terreno plantado com árvores. Mediante tão horrendo cenário em silêncio a avó perguntava-se o que fazer? Não conseguiu encontrar uma sugestão, um caminho que lhe permitisse um pensamento que acalmasse a desolação interior. Foi o avô Manel que resolveu o assunto. Tomou a si a decisão de ficarem todos na casa e continuarem com o plano de férias inicialmente traçado. Segundo o avô todos colocariam mãos à obra e na manhã seguinte resolveriam todos os assuntos relacionados com a casa. Acho que esta tomada de decisão surpreendeu pela positiva a minha avó mais habituada a ser ela a  mais pragmática perante as adversidades. Mas desta vez não lhe coube o comando do leme, foi o avô que levou o barco em frente. Arregaçaram as mangas e decidiram as tarefas entre os dois. Tive conhecimento que a mãe e o tio permaneceram dentro do automóvel por largo tempo, entretidos numa qualquer brincadeira que inventaram no momento e que também teve a função de os tranquilizar. Entretanto o avô e a avó quiseram abrir a porta das traseiras da casa para acederem ao tal pátio que há pouco vos falei e foi nesse momento que deram conta que para além do uso indevido da habitação os malfeitores também se tinham apoderado da chave que abria essa porta. Era costume a tia Isabel deixar as chaves da porta das traseiras da casa num chaveiro na cozinha, perto do fogão, procedimento que facilitou a vida aos penetras dentro da habitação. Que situação bizarra, para além de uma janela arrombada e sem vidro, tinham agora uma porta nas traseiras da casa que podia ser aberta por alguém que não conheciam! O adiantado da hora já não permitia a substituição da fechadura. Este era mais um assunto com o qual teriam que se preocupar para lá poderem pernoitar. O avô informou a avó que teria de se apressar se quisessem comprar mantimentos para confortar as barrigas que começavam a dar sinal da falta de alimentos. Por esta altura a avó começava a tomar as rédeas da limpeza da habitação. Desejava para si própria conseguir levar a cabo a tarefa hercúlea de ter a casa minimamente aceitável quando o avô e os seus filhos regressassem das compras. Muniu-se dos detergentes que a tia Isabel deixava no armário das últimas férias e começou a limpeza das divisões. Protegeu as mãos com luvas e dirigiu-se à cozinha e colocou num grande saco plástico de cor preta os copos, as garrafas de vidro e plástico, todas as embalagens vazias, todo o lixo que encontrou. Seguiram-se a sala de estar, os quartos e por fim a casa de banho. Nesta última divisão foi aquela onde existiram as maiores dificuldades em apagar os vestígios dos indesejáveis visitantes. A utilização da casa de banho sem o recurso à água colocou o espaço num estado quase indescritível. Lixívia e mais lixívia havia que se utilizar todo o poder desinfectante e terminar de vez com as bactérias que por lá habitassem. O avô quando saiu para as compras interiormente acalentou a esperança que no regresso pudesse testemunhar o milagre da limpeza realizado pela avó. Convínhamos que o cenário  que  os  avós, a mãe e o tio encontraram não é  bem o cenário idílico  que se deseja para um bom início de férias. (continua) 

AS FÉRIAS – parte II: Incrédudos!

Reza a história que um dia quando chegaram à casa de férias, os avós, a mãe e o tio foram surpreendidos com um cenário bastante desagradável. Tinham realizado a viagem de automóvel de Lisboa ao Algarve sempre na expectativa de passarem uns dias tranquilos, totalmente, dedicadas ao sol e à praia e sem qualquer tipo de preocupações. Sabiam de antemão quando chegassem ao destino algumas tarefas domésticas teriam de se realizar, afinal havia três anos que não passavam férias na casa de praia. A casa é propriedade da irmã da minha avó. A ligação entre as duas irmãs é muito forte, poder-se-ia descrever como sendo umbilical. A diferença de idades entre as duas é pequena, três anos e meio. No entanto a avó sempre assumiu uma atitude protectora em relação à irmã mais nova de tal maneira que a tia Isabel algumas vezes sentiu-se incomodada com tanta dose de afecto  Na realidade a avó herdou este apego às pessoas da sua mãe, a minha bisavó Maria. Tanto a avó, como a Bi, como, carinhosamente, designo a avó Maria para a distinguir da filha só sabem gostar muito, o meio-termo, a tal posição intermediária entre dois excessos, não condiz nada com as suas formas de viver. Admiro o carisma destas três mulheres, todas elas diferentes entre si, mas todas detentoras de fortíssimas personalidades. Agora, imaginem, o que sentiram os avós ao abrirem a porta da entrada e ao entrarem na cozinha, se depararem para além do lixo que habitualmente passa pela frecha da porta principal e se acumula no corredor, com vários copos sujos em cima da mesa, garrafas de álcool meias vazias, cadeiras fora do lugar e gavetas dos móveis abertas. Os avós ficaram incrédulos! De divisão para divisão o cenário de intromissão repetia-se. Na sala de estar uma pequena poltrona de pano que durante anos serviu de cama estava aberta parecendo aguardar a chegada de alguém que não fora convidado, para dormir. Uma quantidade considerável de velas apagadas estavam espalhadas pelo chão, com certeza que teriam iluminado em alguma(s) noite(s) o(s) visitante(s) indesejável (eis). Garrafas vazias de um popular refrigerante, papéis e mais papéis do outrora rolo de cozinha, os invólucros dos chocolates que teriam servido de refeição quiçá durante a noite/dia completavam a mixórdia de lixo deixado no chão da divisão. Até uma das vassouras foi desmembrada! O cabo de madeira da vassoura foi separado do feixe de pelos  artificiais, depois foi lentamente cortado com recurso às facas do talher de jantar, para posteriormente ser transformado numa arma arcaica de defesa ou de ataque pessoal. Aparentemente o(s) penetra(s) não gostavam de dormir em camas, num dos quartos a velha cama branca de ferro forjado parecia intacta, a colcha estava esticada sem sinais de acomodação. Noutro os móveis foram remexidos, as roupas de cama, os lençóis e cobertores, bem como as toalhas de banho foram espalhados pela divisão. Foi por uma pequena janela da casa de banho que entraram na casa, partindo o vidro. A intromissão deu-se pelas traseiras da casa onde existe um pequeno pátio que alberga um fogareiro de pé alto onde o avô Manel costuma dar assas à imaginação com as suas delícias gastronómicas. Embora o dito pátio esteja ladeado por uma casa e por um muro alto, não foi obstáculo suficiente para conter as intenções dos malfeitores. A minha mãe, na altura uma adolescente, pegou no meu tio ainda pequeno e refugiaram-se ambos no automóvel, não quiseram por medo ou por desolação continuar a assistir ao penoso espectáculo. (continua)

AS FÉRIAS – parte I: Velhas Tradições

Uma parte das férias ainda é passada na casa bem ao sul de Portugal. Todos os anos desde há três gerações, pelo menos dez dias estão destinados ao sol. Quando o calor aperta, o clima, a água e as gentes algarvias, convidam à viagem por autoestrada que não demora mais de três horas. À chegada depois de se descarregarem as bagagens o ritual das limpezas repete-se ano após ano. Abrir as janelas da casa para arejar, limpar a poeira do chão que se vai acumulando ao longo dos restantes meses do ano. Por incrível que pareça a sensação de chegar à pequena povoação é sempre fascinante. Já se passaram anos desde a primeira vez que nos deram a conhecer o maravilhoso local. São muitas as histórias dignas de constarem num livro de viagens ou mesmo de emoções. Sim, porque a minha avó materna, sendo uma nata contadora de histórias, podia escrever muitos livros de temas bem diferentes. Sempre ouvi a minha avó dizer que escrevia para que as gerações futuras pudessem saber sobre as vivências dos antepassados. Acho que a minha avó decidiu relatar muitos dos seus momentos porque lamentava o facto dela em criança não ter sido suficientemente fotografada. Convínhamos que há cinquenta anos atrás as máquinas de fotografar  não eram do domínio público. Quem quisesse tirar uma foto teria que se deslocar a uma loja para o efeito. As câmaras instantâneas da Polaroid só se tornaram populares nos países desenvolvidos a partir dos anos setenta do século XX. A novidade de fotografar sempre que apetecesse, também chegou a Portugal em finais dos anos setenta e muito por culpa dos emigrantes. Deve-se a muitos dos compatriotas portugueses que partiram para outras paragens a divulgação das novidades electrónicas e de muitas outras espécies. A minha avó lamenta o facto de os pais não terem investido suficientemente nesse tipo de registo documental. Portanto ela atribui um significado muito especial a todas as fotos que possui desde o seu nascimento, da infância, da passagem pela escola primária, da adolescência. Não se precipitem a julgar a minha avó como sendo uma pessoa excêntrica. Se eu aplicar a palavra excêntrica para definir a minha avó é pela forma dela encontrar soluções não-convencionais para resolver as situações que nos surgem e nunca pela maneira de vestir ou falar. (continua)

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Diálogo entre gerações


Um dia antes de partirem rumo à aventura encheram um saco com umas t-shirts, uns calções, chinelos, toalhas, uns biquínis. Tenda de campismo e saco-cama, o essencial para as férias. A hora de saída já fora previamente combinada. A seguir ao pequeno-almoço as três amigas partiriam rumo ao sul, para assistirem ao festival de música. A praia e as noites de divertimento aguardavam a chegada. Nos próximos dias não existiriam horários a cumprir. Lá em baixo, já outros amigos as aguardavam. Finalizado o período escolar, naquelas cabeças de adolescentes, só havia lugar para poucas ideias: viajar para onde o sol parece brilhar com mais intensidade e divertirem-se com os amigos. Na infância as férias foram passadas na praia com as respectivas famílias. Marcava-se de um ano para o outro o aluguer da casa de férias para uma quinzena de dias. Entre os adultos, estes combinavam entre si, um fim-de-semana para se encontrarem numa das praias do Algarve. Todo o período da manhã era de praia a que se seguia um almoço que ocuparia a tarde. Os adultos conversavam alegremente uns com os outros. As crianças também se divertiam nesses encontros. Todos juntos formavam um grande grupo e punham em prática toda a espécie de brincadeira. Quando as crianças deixaram de ser crianças, os  agora jovens-adultos foram aos poucos dispensando os progenitores de os acompanhar nas férias. Trata-se na realidade de um dialogo entre gerações. Os pais depois dos filhos crescerem têm que encontrar um novo espaço de ocupação e de diversão. Os filhos seguindo o processo de desenvolvimento, aproveitam  os anos antes deles se tornarem país de família. Viver, é saber aproveitar cada momento que a vida oferece.

sábado, 3 de agosto de 2013

Ás vezes apetecia-me saber voar


A noite não foi nada repousante. Também não ajudou o café bebido no final do jantar. Decidi ingerir cafeína a poucas horas de dormir pelos quilómetros de condução que tinha ainda pela frente. Devo ter adormecido quando o corpo não  aguentou mais e a fadiga venceu o cansaço. Mas estivesse eu, tranquila quando me deitei, isto não aconteceria, pensei. Para trás ficou uma  conversa, uma excelente refeição, em boa companhia. Não que os assuntos tratados me pudessem tranquilizar, antes pelo contrário. Fico incomodada por não encontrar soluções perante os problemas. Bem que tentei encontrar pistas que mostrassem um rumo para as encruzilhadas que estavam em cima da mesa.  A conversa finalizou com as mesmas interrogações com que havia começado. Às vezes já cansa remar contra a maré, a idade nestas coisas também não perdoa. Talvez por isto, quando hoje me levantei, procurei a camisola que vestia quando soube da tua partida. Só a visto em ocasiões muito especiais. Se eu pudesse todos os dias a usava como uma segunda pele. Não o faço, tento estimar o tecido, quero que este dure o máximo de tempo possível. Asseguro quando um dia já não for  possível  vestir guardarei a camisola em pedaços para simbolicamente sentir-me junto de ti. Sabes, às vezes apetecia-me saber voar…

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Afinidades

Normalmente nos lugares por onde eu passo, estabeleço afinidades com pessoas que por lá habitam ou trabalham. Há pessoas e lugares que ao longo da vida perduram na memória como uma espécie de pontos de encontro onde podemos voltar, sabendo antecipadamente quando chegarmos seremos sempre bem recebidos. Tive este pensamento esta manhã quando saia de um café junto ao meu local de trabalho. Aliás, quando me dirigi ao estabelecimento a pretexto de beber um café, tinha como finalidade principal desejar umas boas férias ao seu proprietário que em cada início de Agosto encerra as portas e ruma até Caldas da Rainha. O Sr. Leão é um daqueles comerciantes “à moda antiga” que recebe cada um dos seus clientes de modo tão gentil que cada um de nós se sente em casa. A sua simpatia é totalmente genuína. Por mero acaso ou talvez não o Sr. Leão é simpatizante do meu clube de futebol. Não sou uma frequentadora diária do seu estabelecimento tenho por hábito visitá-lo quase sempre às segundas-feiras de modo a comentarmos os dois o desempenho futebolístico do último fim-de-semana. Já dei conta que algumas vezes outros clientes e adeptos de outros clubes sorriem para a nossa conversa, mas sem nunca se intrometerem mediante o que escutam. Eu e o Sr. Leão estamos quase sempre de acordo com as análises que e cada um nós “treinadores de bancada” realiza. O futebol sendo um desporto de massas e, consequentemente ao concentrar atenção pode em algumas ocasiões ser motivo de discórdias entre pessoas. Não estou nesse plano sou apologista da diversidade de opiniões. À saída despeço-me do Sr. Leão e dos restantes clientes desejando mutuamente uma boa semana. Espontaneamente dou por mim a viajar para muitos quilómetros de Lisboa, bem ao sul de Portugal, para uma aldeia a poucos quilómetros de Lagos. Em Barão existe um café cujo proprietário ano após ano recebeu os visitantes de uma forma tão calorosa que em cada chegada ou despedida ninguém saia do lugar sem dele se despedir. Falo com o verbo no passado porque o Sr. Barnabé entretanto faleceu. Passado alguns anos de o tratar com carinho por Sr. Barnabé fiquei a saber que este nem era o seu nome, mas por todos era assim conhecido. Barnabé era o nome do seu progenitor ao qual ele simpaticamente foi “re-batizado” pelos habitantes locais e adotou após a morte do pai. Foi com imensa tristeza que recebi a notícia da sua partida. Um homem trabalhador que economizava durante a época alta de verão o sustento que escasseava durante a estação de Inverno. O seu dia de trabalho começava cedo na lota onde carregava a sua carrinha com peixe para depois distribuir pelas aldeias vizinhas. Em todas as férias de verão pelas 7:30 batia-nos à porta para nos entregar um saco cheio de peixe muito fresquinho que havíamos de grelhar depois de uma manhã bem passada no areal e nas águas da Meia-praia, em Lagos. Quando lhe perguntávamos quando lhe devíamos pelo peixe, o Sr Bernabé respondia com um sorriso na voz: - Logo acertamos as contas! E, lá se ia embora, buzinando, fazendo-se anunciar nas localidades por onde passava.