domingo, 27 de maio de 2012

Doce de tomate com aletria

Dos paladares da infância, guardo o cheiro e o sabor do doce de tomate no pão e da aletria. O melhor doce de tomate era feito pela minha tia Maria. Quando no Verão, aos domingos, a visitava na sua casa em Lisboa, durante a viagem só pensava, quando lá chegasse, ela tivesse doce de tomate, para me deliciar. Recordo a sua cozinha, onde ela dispunha os vários frascos em cima da mesa para acondicionar o doce, para posteriormente, os guardar na dispensa. Mergulhava uma colher no frasco, de onde extraia a máxima quantidade possível, para barrar a minha fatia de pão. O delicioso lanche era acompanhado de refresco de limão, acabadinho de fazer. Gostava de comer o lanche sentada num banco no quintal, de onde podia disfrutar a paisagem sobre Monsanto. Para outro local, também, no Verão, viajam as minhas memórias, para saborear um pratinho com aletria e canela. A melhor aletria que comi, é confecionada, pelas mãos experientes na minha tia Adília. Bastava, a ela saber, que a família de Lisboa, tinha chegado à terra, para num intervalo dos seus muito afazeres confecionar aletria, que eu haveria de saborear quando, depois de desfazer as malas a fosse cumprimentar. Aqui o sabor da aletria, confunde-se com os cheiros da terra, um cheiro característico, que nos entra pelas narinas, e que nos faz sentir perto da natureza. Estou na Beira – Alta, e a aletria faz parte dos doces tradicionais, em momentos de festa. Com este pensamento mágico, quero prestar homenagem às minhas tias Maria e Adília, que no presente, estão ambas muito doentes… e, a quem desejo, que não faltem as energias para puderem recuperar e quem sabe, se um dia destes, voltarmos a saborear uma fatia de pão com doce de tomate, com aletria…

sábado, 26 de maio de 2012

Causas Maiores: Gonçalo um "Francisquinho"


As imagens foram retiradas da internet
Esta é uma história entre duas pessoas que num acaso se conheceram e se escolheram para protagonizar uma história de amor. Gonçalo nasceu no mês de Agosto, no hospital S. Francisco Xavier, em Lisboa. Gonçalo foi um bebé prematuro, nasceu com baixo peso, herdando as terríveis consequências, da toxicodependência dos seus pais biológicos. Gonçalo foi abandonado no hospital S. Francisco Xavier pela sua mãe. O futuro de Gonçalo, como de outras crianças que são rejeitadas pelos progenitores, fica dependente da Segurança Social, que as encaminha para uma Instituição que lhes garanta os cuidados de que necessitam. O caso de Gonçalo foi desde o início, muito especial, como já disse, ele herdou os efeitos nefastos de anos de consumo de substâncias tóxicas, além do baixo peso, evidenciava sinais de paralisia cerebral e, mais, tarde, descobriu-se que era cego. O futuro desta criança parecia traçado ou seja, viver toda a vida institucionalizado por necessitar de cuidados permanentes de terceiros. Não foi isso que aconteceu! Maria da Conceição Bénard, uma enfermeira, casada, mãe de dois filhos adolescentes, apaixonou-se pelo Gonçalo e o menino por ela. A enfermeira Maria da Conceição Bénard, habituada a cuidar de pessoas no seu dia-a-dia profissional, não conseguir criar imunidade face à fragilidade da situação de Gonçalo. Ela relatou à excelente reportagem da jornalista Ana Moreira,  inserida na rubrica Perdidos e Achados: Mãe de afeto, e exibida na SIC em Maio 2012, que desde o início, sentiu uma enorme ligação com aquela criança. Maria da Conceição Bénard, confessa que em alguns momentos, receou pela sua família, por ter consciência, que a partir do momento, que o Gonçalo entrasse nas suas vidas, nada seria como dantes. Ela, começou por trazer o Gonçalo aos poucos para casa, o marido Demetris Demetriou, de nacionalidade grega, inicialmente, procurou algum distanciamento, para não se ligar ao Gonçalo. Mas o Gonçalo havia nascido com aquela “estrelinha” da sorte que o irá proteger toda a sua vida. Não demorou muito para que o Gonçalo fosse adotado, como um membro muito especial, naquela família. A ligação que desde o início, estabeleceu com a enfermeira Maria da Conceição Bénard, estendeu-se depois, ao marido e aos dois filhos. São imagens de uma imensa ternura, ver o Gonçalo em criança ao colo do seu pai adotivo, a sorrirem um para o outro. Noutras imagens, o Gonçalo surge ao colo da sua irmã Susana. As imagens televisivas transbordam amor. Em momentos especiais, há crianças que escolhem os pais e, disso, é testemunha o Gonçalo! Passados nove anos, desde adoção de Gonçalo, o infortúnio, bateu à porta desta família, o marido de Maria da Conceição Bénard faleceu, colocando um ponto final à ligação de amor  entre pai e filho… A vida, como não podia deixar de ser, continuou e esta mulher de armas, continuou a plantar sementes de solidariedade. Maria da Conceição Bénard,  que num acesso de amor, tomou a  cargo o Gonçalo, fundou a Associação os “Francisquinhos”. Reescrevo as magníficas palavras que encontro na página inicial, desta meritosa associação, http://www.osfrancisquinhos.org/index.html
OS FRANCISQUINHOS” é o nome afetuoso para designar as crianças de risco nascidas/atendidas no Hospital de S. Francisco Xavier (os bebés prematuros, com doenças crónicas ou vítimas de problemas sociais como a toxicodependência, SIDA, entre outros).” Afinal, parece que o Gonçalo veio à vida com um propósito, ele e a sua mãe Maria da Conceição Bénard,  com o seu exemplo de vida, a que se aliaram outros profissionais de saúde e outras pessoas de boa vontade, já ajudaram milhares de crianças a atenuarem os efeitos das deficiências que possuem. O Gonçalo, no presente, tem 22 anos e dentro das limitações que possui, desenvolveu muitas capacidades graças ao esforço contínuo da sua mãe Maria da Conceição Bénard e de uma equipa multidisciplinar de profissionais de saúde, que nunca desistiram dele. É comovente, ver os dois, mãe e filho, porque os laços de amor que os une são fortes! A família de Maria da Conceição Bénard, entretanto, cresceu, tem, agora, dois netos que fazem as suas delícias. Maria da Conceição, no presente está com 65 anos e, como mãe consciente, sabe que Gonçalo vai precisar de cuidados continuados e prepara-lhe o futuro. Durante a semana ela e Gonçalo vivem juntos e todas as sextas-feiras, Maria da Conceição Bénard deixa-o aos cuidados de uma Instituição, com residência, para que ele  aos poucos possa interagir, com os seus pares e com os profissionais que um dia, quando as forças lhe faltarem,  possam dar continuidade à vida do Gonçalo. As imagens finais da reportagem, não podiam ser mais tocantes, Maria da Conceição Bénard abraçada ao seu filho, enquanto escutavam música grega, a preferida de Gonçalo.

sábado, 19 de maio de 2012

Contos de Fadas


Tal, como nos contos de fadas, quase todas as meninas sonham, um dia casar-se. Ema, no dia do seu casamento, não foi diferente, sentia-se única! Não houve lugar a preparativos muito elaborados para o enlace. O vestido de Ema era de corte simples e ao mesmo tempo majestoso. O decote em “V”, com pequenas tiras nos ombros, faziam sobressair a pele ligeiramente morena. As pequenas pérolas bordadas no corpete formavam cornucópias que realçavam a cintura . É costume afirmar que todas as noivas são lindas, mas Ema, na minha opinião estava esplendorosa! O que de imediato sobressaia além da sua beleza física era a enorme felicidade, a alegria e confiança no futuro. Tinham passados três anos e meio desde que conhecera Afonso e aquele dia foi a concretização dos seus desejos. Afonso tinha sido o Escolhido. O casamento representava para Ema o compromisso entre duas pessoas que passariam a partilhar no dia-a-dia, as conquistas, os sucessos e as frustrações. Enquanto, colocava o vestido, lembrou-se de um filme que assistira no cinema, onde o guião colocou em ênfase, as questões sobre os valores e os princípios morais, nas sociedades materialistas. A protagonista do filme, decidira sair do seu país para ir ter com o noivo, que se encontrava num congresso profissional, em outro país. A protagonista, seguindo uma antiga tradição irlandesa, que permitia às mulheres, em ano bissexto, pedir os noivos em casamento, decidira ela própria tomar o rumo dos acontecimentos. Infortúnios da viagem, em vez do confortável avião ou comboio, a protagonista do filme caminhara a pé por zonas rurais, dormiu em lugares pouco confortáveis. Teve por companhia um modesto rapaz, pouco preocupado com a etiqueta dos comportamentos corretos,  que imperam nas sociedades, ditas desenvolvidas. Diálogo bastante intenso entre os dois principais atores do filme foi descobrir o que cada pessoa, levaria consigo, num cenário de incêndio e tendo apenas sessenta segundos para se salvar... Parece simples a resposta, mas, possivelmente, tratar-se-á de algo complexo de responder, qualquer coisa como agarrar em algo muito precioso (e, simbólico), deixando para trás todas as outras coisas que apenas o poder aquisitivo pode comprar. Ema, sorriu para os seus pensamentos, não tinha dúvida na resposta. A partir daquele momento, o único bem precioso “a salvar num incêndio” chamava-se Afonso e todas as outras coisas, com maior ou menor grau de dificuldade seriam supérfluas, o Amor, esse, é insubstituível. No entender de Ema, o casamento significa uma construção diária em que todos os dias são dias de aprendizagem a dois, onde o caminho trilhado é comum, sem desvios...

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Eu, Marie Myriam


Para a Carla, a minha irmã,
Amiga Anita, um duplo agradecimento, por me ajudares a reconstruir por fotografias o nosso passado comum
e, também, para a Hélia, Cristina, Isa, Susana
e outros amigos, que continuam no meu imaginário as nossas brincadeiras junto ao seminário de Almada…




Nasci na madrugada do dia 8 de Maio de 1969, como muitas crianças em Portugal, naquele tempo, nasci em casa, com o auxílio de uma enfermeira-parteira. Tenho uma irmã que adoro, sendo eu a mais velha. Das memórias contadas, dizem que eu era um bebé magro e pequeno. Era chorona, fazendo-me notar, sempre que uma das minhas necessidades básicas não estivesse satisfeita. Uma grave doença cardiovascular atingiu o meu pai quando este tinha trinta e cinco anos. Aos quarenta anos, a minha mãe, enfrentou o cancro da mama e venceu esta luta desigual, não obstante, os médicos terem removido o seio esquerdo, devido à origem maligna do carcinoma. Nesta breve viagem pelas memórias passadas, pretendo sublinhar, nomeadamente, a infância que considero um período muito feliz da minha vida.

Recordo em particular, aos seis anos, a minha entrada na sala nº 7 da Escola Primária nº 1 de Almada, antiga escola Conde Ferreira. Em 1976 vivia-se um período pós revolucionário, no seguimento do 25 de Abril de 1974 (golpe militar que derrubou o regime de ditadura e implementou a democracia em Portugal) e do 25 de Novembro de 1975 (golpe militar que pôs fim à influência da esquerda militar radical no período revolucionário, iniciado com o 25 de Abril de 1974). A minha professora primária, foi a professora que mais me influenciou, durante todo meu percurso escolar, desde a primária até à universidade. Aproveito para prestar a minha mais sincera homenagem à minha saudosa professora Antónia Rocha, pessoa a quem agradeço, profundamente, por todos os ensinamentos que me transmitiu, quer ao nível didático, quer ao nível pessoal. Haverá um dia em que dedicarei um texto à grandeza desta professora primária. Foi graças a ela que eu ganhei o gosto para escrevinhar.

Imaginem o sentimento de satisfação de uma criança aos sete anos quando a sua professora, faz circular pela escola uma composição da sua autoria. Ao nível dos ensinamentos pessoais, realço um episódio, que embora, já não consiga balizar no tempo, não sei se foi passado durante a 2ª ou 3ª classe, ficou a dever-se aos atos punitivos (“autorizados”) que os professores exerciam sobre os alunos. Para não fugir à regra, a minha professora, punia com reguadas nas mãos e outros castigos físicos, os alunos que não aprendiam a lição. Eu não era exceção à regra. Houve um dia em que errei a resposta e tive direito para “aprender” a uns valentes puxões de orelhas. Como este episódio ocorreu a poucos minutos do toque para o final das aulas, eu que morava perto da escola, naquele dia demorei menos do que o habitual a chegar junto da minha mãe para lhe contar o ocorrido. A minha jovem mãe que não concordava com estes atos disciplinadores, que roçavam a violência, deve ter demorado menos tempo do que eu a chegar à escola.

 Valeu na altura à minha professora uma “senhora contínua” da escola, a D. Isaura (agora, as contínuas, designam-se por auxiliares de educação) que lhe salvou, possivelmente, as orelhas porque encerrou a sala à chave e não permitiu que a minha mãe entrasse em contacto com ela, conseguindo, acalmar os ânimos. Este episódio, podia ter toldado a minha relação com a professora, mas, tal não sucedeu.
A minha professora, relevou por completo o ocorrido e nunca me colocou à margem na sala de aulas. Guardo na minha memória os vários (preciosos) incentivos que me foi transmitindo ao longo dos quatro anos em que fui sua aluna. Outra situação que quero destacar, prende-se, com a liberdade das crianças brincarem na rua, em finais da década 70. Refira-se que a liberdade para brincar nas ruas, era uma das poucas coisas boas que a sociedade portuguesa havia herdado das décadas anteriores.


A liberdade das crianças brincarem na rua contrastava com a falta de liberdade em Portugal a todos os níveis durante a ditadura. Durante as décadas de 50, 60 e 70 do século XX, as crianças estavam, cercadas por familiares, principalmente, pelas mães que as mandavam para a escola somente aos 6 ou até aos 7 anos de idade. Nós, as crianças de então, divertíamo-nos na rua, umas com outras. A rua era um local seguro onde os pais nos deixavam a brincar. Havia na altura, possivelmente, um adulto, uma mãe ou uma vizinha que olhava por nós enquanto brincávamos. Nas minhas inúmeras brincadeiras com os meus amigos durante a infância, adotei um nome pelo qual eu era chamada sempre que vestia o papel de “uma mãe”, de “uma professora”, de “uma médica” ou de qualquer outra profissão.






Eu era a Marie Myriam!

As minhas amigas de infância ao lerem este texto, serão comigo transportadas, para as nossas brincadeiras, junto ao seminário de Almada, onde subíamos e descíamos as ruas circundantes às nossas casas, com as bicicletas, com carrinhos de esferas ou qualquer outro “veículo” desde que tivesse rodas e pudesse rolar. Imagino os sustos que pregámos ao “senhor da camioneta” que fazia a carreira nº 1, desde Cacilhas até ao Cristo-Rei, quando a dado momento lhe atravessávamos na frente, sem medirmos o (enorme) perigo e sem sabermos se os travões da camioneta iriam ou não funcionar… Não me recordo de algum dia ter existido um acidente rodoviário, apenas retenho na memória as nódoas negras e os ferimentos nos braços e joelhos, devido às quedas bastante frequentes.

Voltemos à Marie Myriam, a escolha deste nome, deveu-se ao encantamento que a cantora do Eurovisão da Canção’ 77 exerceu sobre mim. Em 1977, Marie Myriam representou a França e venceu o Festival Eurovisão da Canção com "L'Oiseau et l'enfant" (O pássaro e a criança). Muitos anos mais tarde, vim a descobrir que a cantora nasceu no mesmo dia que eu, 8 de Maio e as suas origens são portuguesas. A cancão “L'Oiseau et l'enfant ”, faz parte das canções da minha vida, cuja letra conheço muito bem, quanto à minha voz, é outra conversa, pois, não nasci com atributos vocais, que me permitam cantar em público J