quinta-feira, 3 de maio de 2012

Eu, Marie Myriam


Para a Carla, a minha irmã,
Amiga Anita, um duplo agradecimento, por me ajudares a reconstruir por fotografias o nosso passado comum
e, também, para a Hélia, Cristina, Isa, Susana
e outros amigos, que continuam no meu imaginário as nossas brincadeiras junto ao seminário de Almada…




Nasci na madrugada do dia 8 de Maio de 1969, como muitas crianças em Portugal, naquele tempo, nasci em casa, com o auxílio de uma enfermeira-parteira. Tenho uma irmã que adoro, sendo eu a mais velha. Das memórias contadas, dizem que eu era um bebé magro e pequeno. Era chorona, fazendo-me notar, sempre que uma das minhas necessidades básicas não estivesse satisfeita. Uma grave doença cardiovascular atingiu o meu pai quando este tinha trinta e cinco anos. Aos quarenta anos, a minha mãe, enfrentou o cancro da mama e venceu esta luta desigual, não obstante, os médicos terem removido o seio esquerdo, devido à origem maligna do carcinoma. Nesta breve viagem pelas memórias passadas, pretendo sublinhar, nomeadamente, a infância que considero um período muito feliz da minha vida.

Recordo em particular, aos seis anos, a minha entrada na sala nº 7 da Escola Primária nº 1 de Almada, antiga escola Conde Ferreira. Em 1976 vivia-se um período pós revolucionário, no seguimento do 25 de Abril de 1974 (golpe militar que derrubou o regime de ditadura e implementou a democracia em Portugal) e do 25 de Novembro de 1975 (golpe militar que pôs fim à influência da esquerda militar radical no período revolucionário, iniciado com o 25 de Abril de 1974). A minha professora primária, foi a professora que mais me influenciou, durante todo meu percurso escolar, desde a primária até à universidade. Aproveito para prestar a minha mais sincera homenagem à minha saudosa professora Antónia Rocha, pessoa a quem agradeço, profundamente, por todos os ensinamentos que me transmitiu, quer ao nível didático, quer ao nível pessoal. Haverá um dia em que dedicarei um texto à grandeza desta professora primária. Foi graças a ela que eu ganhei o gosto para escrevinhar.

Imaginem o sentimento de satisfação de uma criança aos sete anos quando a sua professora, faz circular pela escola uma composição da sua autoria. Ao nível dos ensinamentos pessoais, realço um episódio, que embora, já não consiga balizar no tempo, não sei se foi passado durante a 2ª ou 3ª classe, ficou a dever-se aos atos punitivos (“autorizados”) que os professores exerciam sobre os alunos. Para não fugir à regra, a minha professora, punia com reguadas nas mãos e outros castigos físicos, os alunos que não aprendiam a lição. Eu não era exceção à regra. Houve um dia em que errei a resposta e tive direito para “aprender” a uns valentes puxões de orelhas. Como este episódio ocorreu a poucos minutos do toque para o final das aulas, eu que morava perto da escola, naquele dia demorei menos do que o habitual a chegar junto da minha mãe para lhe contar o ocorrido. A minha jovem mãe que não concordava com estes atos disciplinadores, que roçavam a violência, deve ter demorado menos tempo do que eu a chegar à escola.

 Valeu na altura à minha professora uma “senhora contínua” da escola, a D. Isaura (agora, as contínuas, designam-se por auxiliares de educação) que lhe salvou, possivelmente, as orelhas porque encerrou a sala à chave e não permitiu que a minha mãe entrasse em contacto com ela, conseguindo, acalmar os ânimos. Este episódio, podia ter toldado a minha relação com a professora, mas, tal não sucedeu.
A minha professora, relevou por completo o ocorrido e nunca me colocou à margem na sala de aulas. Guardo na minha memória os vários (preciosos) incentivos que me foi transmitindo ao longo dos quatro anos em que fui sua aluna. Outra situação que quero destacar, prende-se, com a liberdade das crianças brincarem na rua, em finais da década 70. Refira-se que a liberdade para brincar nas ruas, era uma das poucas coisas boas que a sociedade portuguesa havia herdado das décadas anteriores.


A liberdade das crianças brincarem na rua contrastava com a falta de liberdade em Portugal a todos os níveis durante a ditadura. Durante as décadas de 50, 60 e 70 do século XX, as crianças estavam, cercadas por familiares, principalmente, pelas mães que as mandavam para a escola somente aos 6 ou até aos 7 anos de idade. Nós, as crianças de então, divertíamo-nos na rua, umas com outras. A rua era um local seguro onde os pais nos deixavam a brincar. Havia na altura, possivelmente, um adulto, uma mãe ou uma vizinha que olhava por nós enquanto brincávamos. Nas minhas inúmeras brincadeiras com os meus amigos durante a infância, adotei um nome pelo qual eu era chamada sempre que vestia o papel de “uma mãe”, de “uma professora”, de “uma médica” ou de qualquer outra profissão.






Eu era a Marie Myriam!

As minhas amigas de infância ao lerem este texto, serão comigo transportadas, para as nossas brincadeiras, junto ao seminário de Almada, onde subíamos e descíamos as ruas circundantes às nossas casas, com as bicicletas, com carrinhos de esferas ou qualquer outro “veículo” desde que tivesse rodas e pudesse rolar. Imagino os sustos que pregámos ao “senhor da camioneta” que fazia a carreira nº 1, desde Cacilhas até ao Cristo-Rei, quando a dado momento lhe atravessávamos na frente, sem medirmos o (enorme) perigo e sem sabermos se os travões da camioneta iriam ou não funcionar… Não me recordo de algum dia ter existido um acidente rodoviário, apenas retenho na memória as nódoas negras e os ferimentos nos braços e joelhos, devido às quedas bastante frequentes.

Voltemos à Marie Myriam, a escolha deste nome, deveu-se ao encantamento que a cantora do Eurovisão da Canção’ 77 exerceu sobre mim. Em 1977, Marie Myriam representou a França e venceu o Festival Eurovisão da Canção com "L'Oiseau et l'enfant" (O pássaro e a criança). Muitos anos mais tarde, vim a descobrir que a cantora nasceu no mesmo dia que eu, 8 de Maio e as suas origens são portuguesas. A cancão “L'Oiseau et l'enfant ”, faz parte das canções da minha vida, cuja letra conheço muito bem, quanto à minha voz, é outra conversa, pois, não nasci com atributos vocais, que me permitam cantar em público J




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