domingo, 4 de novembro de 2012

Tudo Tratado...


Quando partiste um vazio ficou em mim, foi uma dor difícil de suportar. Por mais lágrimas que os meus olhos chorassem, não foram suficientes para apagar a chama que me consumia. Não cheguei a tempo de me despedir de ti. A mãe chamou-nos, para que eu e a minha irmã te víssemos,  ainda, com vida. Fomos o mais rápido que conseguimos e, embora a distância fosse curta, não chegámos a tempo de dizer o último adeus. Partiste muito sereno, na noite, do dia 27 de Junho. Partiste quando desejaste. Como, sempre, aconteceu, durante vinte e sete anos, a mãe estava junto de ti, a proteger-te, a cuidar de ti, em extrema dedicação. Não encontro palavras que possam definir, tamanho amor. Amor que há muito tinha evoluído para níveis mais elevados do que aqueles que ligam duas pessoas pelo casamento. A mãe, seguindo o ritual de cuidadora exemplar, já tinha aprumado o teu corpo, para realizares a viagem. A mãe é a pessoa mais bondosa que conheço. A mãe é aquilo que chamamos de força da natureza. Mulher de uma coragem ímpar, enfrentou sempre com desembaraço, todas as adversidades da vida! Quando chegamos ao teu leito, já tinha o teu  espírito  partido. Possivelmente, do lugar onde te encontras, como, espectador  visualizaste toda a situação. A mãe, referiu, que recusaste o jantar, olhaste para ela, em jeito de despedida e  fechando os olhos, partiste. Sabes, pai, considero que uma percentagem de nós, humanos, desejamos, partir, assim, serenamente. No entanto, só aqueles, que deixam os assuntos terrestres tratados, assim, o fazem… Há muitas coisas para as quais te quero agradecer, mas, há uma coisa em particular. Durante, muitos anos, travamos uma luta acérrima com o homem que nos arrendou a casa de família. Uma pessoa, que descurou todos os deveres de um proprietário e, durante, quase trinta anos, só se limitou a receber, mensalmente, o dinheiro das rendas. Foi necessário recorrer ao Tribunal para expor a situação de incúria deste proprietário. Tal, como muitas, vezes sucede, no nosso processo, não houve justiça. O proprietário alegou não ter posses financeiras, para financiar as obras de restauro do edifício mas, tão pouco procurou a ajuda de programas estatais de reabilitação urbana.  Como sabes, há justiça para pobres e justiça para ricos. Os ricos podem pagar a advogados para defenderem os seus direitos, os pobres, têm que se contentar com a sorte, de lhes nomearem um advogado. Nestas coisas da sorte, há bons e maus advogados. Há advogados que elevam a altos patamares a sua nobre profissão, defendendo com unhas e dentes as ações, mesmo, sendo, nomeados pela segurança social. No meio do infortúnio tivemos sorte! Quatro dias antes de partires, a advogada oficiosa que te patrocinava, apresentou, a tua defesa. Li a peça processual que ela entregou em Tribunal em 23 de Junho, estava brilhante! Colocou em evidência todos os ângulos do litígio e pediu justiça. Quatro dias depois partiste… foi coincidência? Não acredito em coincidências, mas, acredito, em assuntos tratados. A casa de família, era o teu último assunto a tratar… O que pretendo agradecer pai, foram todas as conversas, que mantiveste com Deus. Quero agradecer-te por todos os diálogos em silêncio para que Deus protegesse a tua família e, em particular  a mãe! Dado o teu estado de saúde, que te incapacitou, durante vinte e sete anos, sem te puderes levantar da cama ou mesmo verbalizar palavras, estiveste, sempre, atento às questões que te rodeavam. Aproxima-se, agora, o desfecho da ação em Tribunal. No dia 12 de Novembro, há a possibilidade de se colocar um ponto final ao litígio entre a mãe e o arrendatário. Estou confiante no desfecho da ação  porque a mãe tem uma advogada oficiosa,  que é  briosa no desempenho das suas funções. É brilhante na exposição dos aspetos jurídicos  muito humana  e  não se  intimida com o advogado do senhorio  mais velho e por isso mais experiente. De onde estás, sei que estarás a torcer, por um desfecho feliz! Desejo, muito, também, que esta situação termine a contendo da mãe e, principalmente, que se faça justiça…
Até um dia pai,
A tua filha

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