O
dia começou com um sol tímido a espreitar por entre as nuvens. Porventura os
mais desprevenidos foram apanhados pela chuva miudinha que caia sobre a cidade.
Em plena hora de ponta alguns condutores apressados mudavam de trajetória na tentativa
da faixa do lado ser mais rápida do que aquela por onde circulavam. Quando o
telefone tocou encontrava-me no local onde estou todas as manhãs. Do outro lado
da linha uma voz não familiar certificava-se que eu era a destinatária da
mensagem. Pediram-me para me dirigir ao hospital; tinhas sofrido um grave
acidente de viação e a situação clinica era deveras complicada. Não fui
bem-sucedida na tentativa de saber mais pormenores sobre o ocorrido, a pessoa que
ligou deve ter notado na voz o quanto a notícia me transtornou. Depois de
terminar a conversa mantive-me imóvel, sem reação, com o telemóvel silencioso encostado
ao ouvido. Deixei de ter noção do que acontecia à minha volta; confesso que por
momentos, deixei de fazer ideia até de quem era. Atordoada com o teor da notícia
apanhei um meio de transporte para a outra margem do Tejo. Demorei
aproximadamente meia hora para chegar ao Hospital. A urgência hospitalar estava
com o movimento próprio de uma semana que antecedia um feriado prolongado durante
o fim-de-semana. Não era uma semana normal estávamos em plena época Pascal. Dirigi-me
ao guichet de informações e relatei a
conversa, a senhora do outro lado do vidro, pediu-me para aguardar na sala de espera
até alguém falar comigo. Não demorou muito tempo até aparecer na sala de espera
uma senhora de bata branca com uns papéis na mão – presumi que era comigo que ela
pretendia falar - começou por explicar o quadro clinico e os procedimentos adotados. Com o estado psicológico debilitado retive
pouco das palavras «tratou-se de um acidente de automóvel muito
violento, fizemos o que nos era possível, infelizmente o diagnóstico é muito
reservado» - senti de novo aquela sensação que há menos de uma hora me invadira,
uma espécie de cratera abria-se diante dos pés puxando o meu corpo para o fundo. Depois da médica se afastar, respirei profundamente e caminhei com passos
curtos até ao piso da Unidade de Cuidados Intensivos. Com a dor de sofrimento
estampada no rosto uma enfermeira dirigiu-me palavras solidárias «lamento, tenha
força». Não lhe respondi por dificuldade verbal em articular as palavras, por
essa altura um mar de lágrimas brotavam dos meus olhos. Fiquei parada junto à cama
a olhar incrédula para um rosto que não reconheci como teu. Fixei a visão num
tubo transparente inserido na tua narina direita, os olhos outrora de um
castanho amendoado estavam fechados, os músculos do rosto flácidos deram-me a
sensação que diante de mim estava um cadáver. Era ensurdecedor o som das
máquinas a fazer o (im)possível para te manter ligado à vida. Doeu demais pensar
que o corpo físico que estava ali à minha frente já não tinha alma – aquele
corpo já não tinha consciência – estava simplesmente lá!
quinta-feira, 24 de outubro de 2013
sábado, 19 de outubro de 2013
Era uma vez...
Neste dia tão especial gostava de
escrever umas quantas palavras que nos anos seguintes assinalassem a data. Começo
por dizer-te aquilo que muitas vezes ouviste da minha boca: o quanto fiquei
grata ao destino por um dia nos ter cruzado. Somos o exemplo que mesmo há
distância os sentimentos quando são fortes não morrem. O sentimento de amizade é de
tal forma intenso que quando une determinadas pessoas é para sempre! Amigo é toda
aquela pessoa que nos estende as mãos sem que nós peçamos para o fazer. Falar sobre ti é fácil e simultaneamente difícil. É fácil
porque tu és um excelente ser humano. Difícil porque receio não ter a habilidade
suficiente para exprimir num punhado de letras toda a ternura que sinto por
ti. Os laços que nos unem são um conjunto de afetos de tal forma verdadeiros que até
em simples frases que me diriges sinto sempre o teu ombro amigo como um porto
de abrigo pronto a proteger. Mas vamos falar de ti. Hoje quando vi as fotos
que assinalavam o momento tão especial para o resto dos teus dias, os meus olhos
instantaneamente, foram invadidos por lagrimas e o meu coração encheu-se de uma grande
alegria. O espaço histórico que vos acolheu conferiu a necessária solenidade ao
ato, onde ambos os protagonistas pareciam retirados de um magnifico conto de
fadas. E, tal como sempre acontece nesses contos infantis, os meus sinceros votos
viajam até ao final da vossa história onde reza:“…e, viveram sempre felizes para todo o sempre”!
sábado, 12 de outubro de 2013
Uma escada para o céu
Não me recordo do dia em que a D. Ana
partiu. Talvez já em criança gostasse de preservar as lembranças boas em
detrimento das más. Costumava visitá-la mais amiúde durante as férias
escolares. Foi ela que me ensinou a arte do croché, fazíamos pequenas rosetas
que depois de unidas resultavam num conjunto muito agradável de visualizar e aos meus olhos pareciam coisa de grande habilidade. Creio que a D. Ana
tinha a paciência das senhoras de outros tempos que não se importavam em
dispensar atenção às
crianças que as procuravam. Já não recordo o pretexto que
utilizava para lhe tocar à porta e depois galgar a grande escadaria até
ao quatro-andar onde ela residia. O prédio não dispunha de elevador, talvez por
isso a D. Ana raramente saia de casa. Sempre a conheci doente e, também não me
recordo do nome da enfermidade que lhe dificultava muito os movimentos físicos.
A D. Ana passava grandes períodos do dia sozinha e talvez por isso gostava de
me receber para ajudar a quebrar um pouco o isolamento. Ela era mãe do meu
amigo de infância Toni, o seu filho mais novo. Tinha outro filho varão de nome
Carlos. O marido António devido à doença da esposa desdobrava-se entre o
sustento da casa e as compras domésticas. Não chorei a morte da D. Ana porque
aos olhos de uma criança de oito, nove anos o sentimento de perda é de difícil
compreensão. Faço-o agora. Ao escrever esta memória sinto um ligeiro aperto no
coração ao mesmo tempo que as lágrimas invadem o meu olhar. Neste momento eu
própria tenho mais idade do que aquela que a D. Ana possuía no tempo em que a
visitava. Tenho dificuldade em lembrar-me dos traços do seu rosto, ou mesmo da
cor dos seus cabelos mas guardo comigo a melhor de todas as recordações, a
amabilidade, a ternura do seu olhar. Devido à doença que a atormentava nem
consigo imaginar o enorme esforço fisco que ela despendia só para me abrir a
porta de casa. Onde quer que esteja desejo-lhe um merecido descanso ao
mesmo tempo que lhe agradeço por ela pertencer às felizes memórias da minha
infância.
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