terça-feira, 7 de agosto de 2012

Caixa de Pandora




Decidi num final de tarde beber uma água fresca,  junto à beira-mar e, olhar o horizonte, descontraidamente. A quietude da esplanada envolvia os meus pensamentos com a cadência das ondas do mar, que vinham e iam, sobre o areal da praia. Por momentos os meus olhos fecharam-se e o baloiçar das ondas transformou-se numa suave melodia para os meus ouvidos. A tranquilidade do local foi quebrada com a chegada de um grupo de jovens que procuravam uma mesa para se acomodarem. As suas vozes, os risos o arrastar das cadeiras, foram suficientes para atrair sobre o grupo os olhares das demais pessoas. Olhei-os de soslaio, quase num olhar reprovador pelo alarido causado. Haviam conseguido perturbar a calma, o sossego daquele espaço. Tentei de novo sintonizar-me à frequência inicial, sol, ondas, praia. Estava a conseguir de novo ser absorvida pela beleza do local quando sou de novo perturbada por um olhar que absorvia os meus movimentos. Direcionei o meu olhar para a mesa dos jovens, no sentido de descobrir o autor da intromissão. Lá estava ele, um rapaz moreno, magro, vestido de modo descontraído, com calções e t-shirt, que me fixava, enquanto, saboreava a bebida. Sorriu-me quando percebeu que os nossos olhares se cruzaram. Espontaneamente, devolvi-lhe o sorriso, arrepiando-me pela estupefação do meu ato. Por um instante achei que conhecia aquele rapaz. Procurarei em velocidade aceder ao meu arquivo mental, sobre a possibilidade de anteriormente, ter-me cruzado com aquela pessoa. Vasculhei as memórias de pessoas e lugares, sem qualquer resultado que pudesse corroborar a hipótese. Aquele rapaz que aparentava ter a minha idade parecia-me, no entanto, familiar. Digo, mesmo, senti-me atraída por aquele desconhecido. Decidi terminar a minha permanência na esplanada e levantei-me para abandonar o local. Um último olhar e sem dizer palavra, voltei a examinar o jovem desconhecido que, também, me acompanhou com os olhos até à saída. Que situação bizarra, pensei, para comigo. Em, algumas, ocasiões, teria considerado constrangedor alguém fixar-me daquela forma e não desviar o olhar, mas, não consegui associar qualquer sentimento de reprovação… havia, qualquer coisa, de empolgante na situação e, que mutuamente nos atraia. Entrei no automóvel e dirigi-me a casa, pelo caminho os meus pensamentos foram desviados em outras direções. O Verão estava a terminar e o Outono começava a anunciar-se com temperaturas mais baixas. As árvores começaram aos poucos a despirem-se das folhas e a colorirem a paisagem como de tapetes se tratassem. Decidi ajudar a avó nas limpezas de final de Verão. Adoro a minha avó! Ao longo dos tempos ela soube atualizar os gostos de acordo com as épocas e as conversas que mantém com os netos são preciosos ensinamentos. Numa palavra, a minha avó simboliza a âncora da família! Tal como para os marinheiros, a minha avó corporiza a segurança, um abrigo seguro, o caminho de volta para casa. Decidimos lavar os tapetes e os cortinados. Retiramos imensas bugigangas dos móveis. As memórias de mais de cinquenta anos andavam à solta por toda a casa. A avó pediu-me para levar umas caixas com livros ao sótão. Subi as escadas, abri a porta e entrei na divisão onde estão depositadas as quinquilharias de anos e anos. Simultaneamente, o sótão é um local de arrumações e, para os netos, representa aquele local mágico, que foi palco de inúmeras brincadeiras em criança. Empilhei sobre outras, as duas caixas que transportava comigo. Lancei um olhar a toda a divisão e o meu olhar foi de imediato atraído para os objetos que se encontravam sob a velha secretária encostada à parede. Dirigi-me até ela e abri uma pequena caixa de madeira que continha alguma correspondência e um envelope com fotografias. Abri o envelope e verifiquei que se tratavam de fotografias muito antigas, o que aguçou a minha curiosidade. A maior parte das pessoas fotografadas eu não conhecia, mas, seguramente, eram amigos da minha avó. Como seria de esperar lá estava ela, no auge da sua beleza, com os seus olhos azuis muito brilhantes que parecem estrelas a cintilar. Visualizei as fotografias uma por uma, até me deter numa em particular, onde estava a minha avó junto a um rapaz em clima de grande cumplicidade. Naquela fotografia, com mais de sessenta anos, pareceu-me ver o rapaz que há menos de um mês, tinha visto numa esplanada, junto à praia. Fiquei incrédula, como seria possível? Os meus pensamentos retrocederam de novo para aquele final de tarde de Verão, onde o meu clima de sossego, havia sido perturbado, primeiramente, pela chegada de um grupo de jovens e, seguidamente, pelo olhar pouco discreto de um deles que não tirava a vista de cima de mim. Claro, que eu soube de imediato que o jovem que eu tinha visto não se tratava da mesma pessoa que estava na foto. Mas, efetivamente, eram a fotocópia um do outro. Diametralmente, alguém que estivesse a visualizar a mesma cena, também, chegaria, à conclusão que eu e a minha avó somos a fotocópia uma da outra. Voltando à fotografia, seria este rapaz um antigo namorado da minha avó? Na fotografia eles pareciam muito felizes… O que teria acontecido no passado para terem rompido? Nas memórias de família consta que o meu avô foi o grande amor da vida da minha avó e disso é prova a união de ambos com cinquenta anos! No entanto, a minha curiosidade tinha-me conduzido até à caixa de pandora da minha avó. Por vezes o destino, parece querer dar vida às histórias de amores perdidos. Estaríamos, eu e aquele jovem da esplanada, destinados a encontrar-nos de novo, para dar continuidade a um projeto, interrompido há sessenta anos atrás? Saberia aquele jovem que é neto ou parente de um antigo amor da minha avó? Decidi não contar a ninguém as recentes descobertas. Se for vontade do destino um dia terei oportunidade de fazer a ponte entre o passado e o presente e descobrir os pormenores do jardim secreto da minha avó…

Sem comentários:

Enviar um comentário