Esta semana lembrei-me do Artur. O amigo de infância do meu pai e
ele próprio pai da minha amiga de infância Cristina. Sempre que invoco a minha
amiga Cristina junto de outras pessoas acrescento-lhe mais um nome que não é o
apelido de família mas apenas o nome de seu pai, ela é a Cristina
do “Artur”. Só no funeral do meu pai há três anos soube que o Artur o conhecia desde os onze anos; do tempo dos moços de recados da Praça
da Ribeira em Lisboa. O Artur contou-me esta memória na noite do velório.
Estávamos ambos sentados num canto da sala e estivemos largo tempo à conversa
sobre memórias passadas. Falou-me dos tempos difíceis em que muitas crianças
carregavam às costas fardos demasiado pesados para corpos ainda em
desenvolvimento. Fizeram-se, assim, homens, dirão alguns…sim, é verdade, foram
todos frutos de uma época onde a sobrevivência familiar impunha o trabalho em
idades precoces. Mas convínhamos que aqueles homens pequeninos eram ainda
crianças cujas infâncias tinham sido trocadas pelas responsabilidades de gente
adulta. O Artur falou-me da doença cardiovascular cerebral que fustigou o meu
pai em demasiados anos. O Artur lamentou ter ficado muito tempo sem ver o
amigo e sem o esquecer. A minha família deixou a casa onde éramos vizinhos.
Talvez por isso a minha amiga de infância Cristina não me acompanhou no trajeto
de adolescente e tão pouco em idade adulta. É verdade que ainda fui ao seu
casamento. Também a convidei para o meu mas ela por motivos profissionais não
compareceu. Até ao dia do velório do meu pai estive sempre convencida que o
relacionamento das nossas famílias se tinha iniciado quando os meus pais
decidiram morar em Almada. Mas isso afinal foi mais uma daquelas coincidências
de vida que ligou em sessenta anos os percursos de dois homens. Naquela noite
de pesar o Artur quis prestar a ultima homenagem ao seu amigo de sempre.
Ficar-lhe-ei sempre grata por ele ter estado connosco naquela noite como
agradeço a muitas outras pessoas que estiveram connosco partilhando o nosso
sofrimento. Os rituais de despedida servem para confortar os vivos; servem para
aliviar a dor que se apodera do nosso interior. Nem sei muito bem porquê numa
manhã de outono ao acordar me lembrei do Artur; embora seja verdade que todos
os dias recordo o meu pai…talvez, seja por isso, a lembrança do meu pai
levou-me até ao seu amigo Artur. Outra explicação direciona o meu subconsciente
para o filme que assisti na noite anterior antes de adormecer. No filme
falava-se muito de amizade; daquele tipo de amizades que se perpetuam no tempo
sem a necessidade de regras onde ser-se amigo implica apenas o facto das
pessoas sentirem as emoções. Não me recordo se o Artur chorou na despedida do
meu pai, mas creio que o deve ter feito - recordo vê-lo chorar quando o seu clube de futebol perdia. A recordação que guardo dele é de um
homem sensível. Àquele homem franzino e de sorriso nos lábios, agradeço muitas
outras lembranças do meu tempo de criança memórias com certeza mais felizes do que aquelas
que ambos vivenciamos naquele dia.
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