sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Artur

Esta semana lembrei-me do Artur. O amigo de infância do meu pai e ele próprio pai da minha amiga de infância Cristina. Sempre que invoco a minha amiga Cristina junto de outras pessoas acrescento-lhe mais um nome que não é o apelido de família mas apenas o nome de seu  pai, ela é  a Cristina do “Artur”. Só no funeral do meu pai há três anos  soube que o Artur o conhecia  desde os onze anos; do tempo dos moços de recados da Praça da Ribeira em Lisboa. O Artur contou-me esta memória na noite do velório. Estávamos ambos sentados num canto da sala e estivemos largo tempo à conversa sobre memórias passadas. Falou-me dos tempos difíceis em que muitas crianças carregavam às costas fardos demasiado pesados para corpos ainda em desenvolvimento. Fizeram-se, assim, homens, dirão alguns…sim, é verdade, foram todos frutos de uma época onde a sobrevivência familiar impunha o trabalho em idades precoces. Mas convínhamos que aqueles homens pequeninos eram ainda crianças cujas infâncias tinham sido trocadas pelas responsabilidades de gente adulta. O Artur falou-me da doença cardiovascular cerebral que fustigou o meu pai em demasiados anos. O Artur lamentou ter ficado muito tempo sem  ver o amigo e sem o esquecer. A minha família deixou a casa onde éramos vizinhos. Talvez por isso a minha amiga de infância Cristina não me acompanhou no trajeto de adolescente e tão pouco em idade adulta. É verdade que ainda fui ao seu casamento. Também a convidei para o meu mas ela por motivos profissionais não compareceu. Até ao dia do velório do meu pai estive sempre convencida que o relacionamento das nossas famílias se tinha iniciado quando os meus pais decidiram morar em Almada. Mas isso afinal foi mais uma daquelas coincidências de vida que ligou em sessenta anos os percursos de dois homens. Naquela noite de pesar o Artur quis prestar a ultima homenagem ao seu amigo de sempre. Ficar-lhe-ei sempre grata por ele ter estado connosco naquela noite como agradeço a muitas outras pessoas que estiveram connosco partilhando o nosso sofrimento. Os rituais de despedida servem para confortar os vivos; servem para aliviar a dor que se apodera do nosso interior. Nem sei muito bem porquê numa manhã de outono ao acordar me lembrei do Artur; embora seja verdade que todos os dias recordo o meu pai…talvez, seja por isso, a lembrança do meu pai levou-me até ao seu amigo Artur. Outra explicação direciona o meu subconsciente para o filme que assisti na noite anterior antes de adormecer. No filme falava-se muito de amizade; daquele tipo de amizades que se perpetuam no tempo sem a necessidade de regras onde ser-se amigo implica apenas o facto das pessoas sentirem as emoções. Não me recordo se o Artur chorou na despedida do meu pai, mas creio que o deve ter feito - recordo vê-lo chorar quando o seu clube de futebol perdia. A recordação que guardo dele é de um homem sensível. Àquele homem franzino e de sorriso nos lábios, agradeço muitas outras lembranças do meu tempo de criança memórias com certeza mais felizes do que aquelas que ambos vivenciamos naquele dia.

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