Ontem
tirei da estante o livro que me emprestaste. Já o tinha lido há muitos anos.
Talvez há quantos a nossa amizade existe. Na época li o livro em poucos dias. O
autor do livro foi um dos maiores expoentes do modernismo em Portugal e um dos
membros da Geração d’Orpheu. Talvez com uma saudade já distante recordo o
início da nossa amizade. A nossa amizade faz parte daquelas coisas boas da vida
que acontecem, que perduram na memória e nem o tempo permite o
esquecimento pela forma inesperada como surgem. Connosco foi assim uma amizade
que nasceu do puro acaso. O que gostei desde o início foi da intensa troca de
palavras e do fluir das tuas ideias que revolucionaram a minha forma de pensar
as coisas. Confidencio-te que na época algumas das tuas ideias me pareciam
demasiado vanguardistas. Hoje amigo já quase que tomo as ideias como minhas
pelo modo como delas me apropriei. Talvez por isso em silêncio mantenho contigo
uma assídua troca de palavras. Não me digas que não dás conta desta dialéctica.
Digo-te meu amigo foi, possivelmente, por causa destas coisas que ontem te
consegui rever através do desfolhar das páginas do livro. Sim, estou a falar da
“Loucura” de Mário de Sá Carneiro, a temática é algo que nos assenta que nem
uma luva. A leitura ontem foi fugaz. Era escasso o tempo que dispunha para
saborear as palavras, não li mais de dez páginas. Gostei dos teus sublinhados.
Marcaste a vermelho com um traço de lápis cuidado algumas palavras do autor.
Tentei em alguns momentos perceber a razão de sublinhares umas palavras e não
outras. Com o pretexto deste exercício voltarei ao livro sempre que desejar ir
ao encontro dos teus recônditos pensamentos e serenamente irei viajar contigo
aos primórdios da tua essência. Ocorreu-me agora que nunca contabilizei o nosso
tempo. Refiro de antemão que a contagem do tempo não é coisa muito importante.
Desde o início da nossa amizade assumi que há muito nos conhecíamos. Também me
impressionou o facto de tu uns anos mais novo que eu possuíres um conhecimento
mais avançado do que a idade cronológica poderia indicar. Também, devido a esta
tua característica reformulei alguns padrões pelos quais me regia. Não sei se
algum dia informei mas durante alguns anos não desenvolvi amizades com pessoas
mais jovens do que eu. Há muito que não penso mais assim. A experiência de vida
ensinou-me que cada idade encerra os próprios conhecimentos e algumas vezes a
idade cronológica tão pouco corresponde à idade física ou mental. Talvez por
isso tenho alguma dificuldade em assumir como minha a imagem que o espelho
reflecte. Também por isso privilegio a criança que existe em mim. Pensar na
infância transporta-me para uma espécie de jardim secreto onde me refugio
sempre que necessito de paz. Um dia quando regressares desse local distante não
iremos sentir dificuldade em continuar alguma conversa inacabada. Com certeza
que não me recordarei da temática da altura, mas entre gargalhadas e uma frase
que talvez nos anos seguintes faça história pela erudição do raciocino iremos
conversar até mais não aguentarmos. A esta hora da narrativa deves estar
curioso do porquê de tamanho discurso. Amigo, esta foi a forma singela de te
homenagear pelo teu aniversário! Parabéns e que contes muitos anos, com saúde,
sucesso e junto das pessoas que amas.
Sem comentários:
Enviar um comentário