quinta-feira, 6 de junho de 2013

Páginas da vida


Há um pensamento que de vez em quando me persegue: terei eu já “fugido” à morte? Não creio que tal tenha acontecido. Posso em alguns casos, ter andado de mão dada com ela, sem que ela no final do passeio, decidisse me levar. Existe uma razão, para não dizer várias razões, para de vez em quando ser assolada com este tipo de reflexão. Em criança tive a sorte de passar muitos Verões na Beira Alta, numa aldeia pequenina, a caminho das terras férteis do Douro. Nada melhor para uma criança citadina, ter a fortuna, de poder entrar no universo mágico da ruralidade. No presente, para mim, é fascinante,  recordar-me com oito anos, de um Portugal distante, em finais dos anos setenta, com caminhos de pedras irregulares, por onde transitavam para minha satisfação os “carros” de bois. Quase, instantaneamente, sou puxada na memória para a paisagem campestre, onde o sol no verão ardia e a brisa do vento passava pelo meu rosto, transportando consigo, os cheiros da terra. Numa dessas férias, fui com uma tia e alguns dos meus primos para o rio, onde as mulheres, lavavam a roupa à mão, onde esta cheia de sabão ficava a “corar” na tentativa do sol, ajudar a retirar a sujidade e os odores entranhados nas peças de vestuário de muito trabalho nos campos. Lembro-me que toda a paisagem junto ao rio era deslumbrante. As margens das águas límpidas do rio, eram adornadas por uma abundante vegetação, o som da água a correr, sob um sol escaldante, convidava as crianças a um mergulho. E, aquilo que seria uma tarde  bem passada no rio podia ter acabado numa tragédia. A minha tia, ocupada com os seus afazeres, não podia, estar sempre de olho, numa criança, como eu, irrequieta por natureza. Lembro-me, com bastante, clareza, banhar-me   nas  águas  do rio, à beirinha, espreitando a oportunidade, para  me lançar às águas   mais  distantes  da  margem. A minha tia estava de costas  e,  aproveitando a distração, lancei-me  à  água  que  aos meus olhos se assemelhava a uma bela piscina, tendo caído num "fundão" do rio. Lembro-me de me estar afundar, esbracejando, sem que os meus pés alcançassem  um qualquer ponto de apoio. E, também, me lembro, de algo, que não consegui identificar, me puxar para cima e, me colocar de novo à tona da água. Depois com alguns movimentos braçais coloquei-me a salvo das águas. Acho que a minha tia,  não teve a real percepção do enorme perigo em que eu me encontrava. Este episódio ficou na memória até aos dias de hoje. A sensação de ser puxada, foi, qualquer coisa de extraordinário, aquele dia, decididamente, não era o dia para eu, criança com oito anos, viajar até ao Reino do Céu. Como, também, não foi, aos treze anos quando sofri duas paragens cardíacas, devido a um enorme traumatismo. Neste episódio durante a adolescência,  são escassos os pormenores que me recordo, embora, saiba que foram momentos muito difíceis  para os meus familiares que me acompanhavam no hospital, principalmente, para a minha mãe. Fui transferida de urgência do hospital da minha residência para o hospital da grande cidade, onde existiam meios técnicos e humanos, para me salvarem, caso a situação se complicasse. Não aconteceu nada de anómalo em relação à minha situação clínica. As orações daqueles que me queriam bem, devem ter sido suficientemente fortes, para nos poucos segundos, em que o coração parou, por duas vezes, não ter existido a necessidade de reanimação. O ritmo cardíaco reestabeleceu-se naturalmente. Desconheço, nos instantes em que estive inconsciente, se tive alguma conversa com Deus ou com alguns dos seus ajudantes…embora,  actualmente, tenha a convicção que  o meu espírito em silêncio deve ter dialogado com a morte, tendo esta, decidido que eu devia continuar o meu caminho.  Com certeza que nesse momento,  renasci e, como frequentemente, se costuma,  afirmar não há duas sem três. Com vinte e sete anos eu e a minha irmã, sofremos um violento acidente rodoviário. O automóvel onde seguíamos, foi abalroado por um camião que ao mudar de trajectória para outra faixa de rodagem, embateu, violentamente, no pequeno automóvel que eu conduzia. Para  se   ter  uma imagem do  acidente, a viatura onde seguíamos, ficou totalmente, destruída, com a excepção do meu lugar e do lugar onde estava sentada a minha irmã. Saímos, ambas, totalmente, ilesas por uma das janelas da viatura. Tudo, se passou, numa fracção de segundos. Lembro-me do carro entrar em despiste, rodopiando, várias vezes, nas faixas de rodagem da autoestrada, tendo, por fim embatido, violentamente, no separador de betão que dividia os dois sentidos, imobilizando-se. Uma vez, mais, os Céus não nos quiseram por lá… nesse, dia, possivelmente, devido à idade adulta e, à Fé que se vai adquirindo e, que vai aumentando por este e outros acontecimentos, considero que a morte, foi, nossa amiga. Parece, que, afinal, ela  só nos leva, quando  as nossas missões na Terra estão terminadas… aprendi, desde algum tempo, a não a temer, respeito-a com toda reverência que ela merece. Quando o fim dos meus dias chegar, aceitarei, este desígnio, com mesma naturalidade do meu nascimento. Um  dia  creio, que terei oportunidade de lhe agradecer,  pelas  três vezes (aquelas de que me recordo) ter-me poupado  e  dado oportunidade de continuar a viver…

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