Há um pensamento que de vez em quando me persegue: terei eu já
“fugido” à morte? Não creio que tal tenha acontecido. Posso em alguns casos,
ter andado de mão dada com ela, sem que ela no final do passeio, decidisse me
levar. Existe uma razão, para não dizer várias razões, para de vez em quando
ser assolada com este tipo de reflexão. Em criança tive a sorte de passar
muitos Verões na Beira Alta, numa aldeia pequenina, a caminho das
terras férteis do Douro. Nada melhor para uma criança citadina, ter a fortuna,
de poder entrar no universo mágico da ruralidade. No presente, para mim,
é fascinante, recordar-me com oito anos, de um Portugal distante, em
finais dos anos setenta, com caminhos de pedras irregulares, por onde
transitavam para minha satisfação os “carros” de bois. Quase, instantaneamente,
sou puxada na memória para a paisagem campestre, onde o sol no verão ardia e a
brisa do vento passava pelo meu rosto, transportando consigo, os cheiros da
terra. Numa dessas férias, fui com uma tia e alguns dos meus primos para o rio,
onde as mulheres, lavavam a roupa à mão, onde esta cheia de sabão ficava a
“corar” na tentativa do sol, ajudar a retirar a sujidade e os odores
entranhados nas peças de vestuário de muito trabalho nos campos. Lembro-me que
toda a paisagem junto ao rio era deslumbrante. As margens das águas límpidas do
rio, eram adornadas por uma abundante vegetação, o som da água a correr, sob um
sol escaldante, convidava as crianças a um mergulho. E, aquilo que seria uma
tarde bem passada no rio podia ter acabado numa tragédia. A minha
tia, ocupada com os seus afazeres, não podia, estar sempre de olho, numa
criança, como eu, irrequieta por natureza. Lembro-me, com bastante,
clareza, banhar-me nas águas do rio, à beirinha,
espreitando a oportunidade, para me lançar às águas mais
distantes da margem. A minha tia estava de costas
e, aproveitando a distração, lancei-me à água que
aos meus olhos se assemelhava a uma bela piscina, tendo caído num
"fundão" do rio. Lembro-me de me estar afundar, esbracejando, sem que
os meus pés alcançassem um qualquer ponto de apoio. E, também, me lembro,
de algo, que não consegui identificar, me puxar para cima e, me colocar de novo
à tona da água. Depois com alguns movimentos braçais coloquei-me a salvo das águas.
Acho que a minha tia, não teve a real percepção do enorme
perigo em que eu me encontrava. Este episódio ficou na memória até aos dias de
hoje. A sensação de ser puxada, foi, qualquer coisa de extraordinário, aquele
dia, decididamente, não era o dia para eu, criança com oito anos, viajar até ao
Reino do Céu. Como, também, não foi, aos treze anos quando sofri duas paragens
cardíacas, devido a um enorme traumatismo. Neste episódio durante a
adolescência, são escassos os
pormenores que me recordo, embora, saiba que foram momentos muito difíceis para os meus familiares que me acompanhavam no hospital,
principalmente, para a minha mãe. Fui transferida de urgência do hospital da
minha residência para o hospital da grande cidade,
onde existiam meios técnicos e humanos, para me salvarem, caso a
situação se complicasse. Não aconteceu nada de anómalo em relação à minha
situação clínica. As orações daqueles que me queriam bem, devem ter sido
suficientemente fortes, para nos poucos segundos, em que o coração parou, por duas
vezes, não ter existido a necessidade de reanimação. O ritmo cardíaco
reestabeleceu-se naturalmente. Desconheço, nos instantes em que estive
inconsciente, se tive alguma conversa com Deus ou com alguns dos seus
ajudantes…embora, actualmente, tenha a
convicção que o
meu espírito em silêncio deve ter dialogado com a morte, tendo esta, decidido
que eu devia continuar o meu caminho. Com certeza que nesse
momento, renasci e, como frequentemente, se costuma, afirmar não há
duas sem três. Com vinte e sete anos eu e a minha irmã, sofremos um violento
acidente rodoviário. O automóvel onde seguíamos, foi abalroado por um
camião que ao mudar de trajectória para outra faixa de rodagem, embateu,
violentamente, no pequeno automóvel que eu conduzia. Para
se ter uma imagem do acidente, a viatura onde
seguíamos, ficou totalmente, destruída, com a excepção do meu lugar e
do lugar onde estava sentada a minha irmã. Saímos, ambas, totalmente,
ilesas por uma das janelas da viatura. Tudo, se passou, numa fracção de
segundos. Lembro-me do carro entrar em despiste, rodopiando, várias vezes, nas
faixas de rodagem da autoestrada, tendo, por fim embatido, violentamente, no
separador de betão que dividia os dois sentidos, imobilizando-se. Uma vez,
mais, os Céus não nos quiseram por lá… nesse, dia, possivelmente, devido à
idade adulta e, à Fé que se vai adquirindo e, que vai aumentando por este e
outros acontecimentos, considero que a morte, foi, nossa amiga. Parece, que, afinal, ela só
nos leva, quando as nossas missões na Terra estão terminadas…
aprendi, desde algum tempo, a não a temer, respeito-a com toda reverência que ela
merece. Quando o fim dos meus dias chegar, aceitarei, este desígnio, com mesma
naturalidade do meu nascimento. Um dia creio, que terei oportunidade de lhe agradecer, pelas três vezes (aquelas de que me recordo)
ter-me poupado e dado oportunidade de continuar a viver…
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