É
costume dizer-se, que depois de casa roubada, trancas à porta. Depois da
devastação que irrompeu por portas a dentro, como de um furacão, se tratasse,
deixando a marca da maldade, sobre um património pessoal, colocar trancas, nada
resolverá, nem tão pouco restituirá as marcas de um passado. A minha casa de
infância, foi a fiel guardiã das vivências da família, o último bastião, que
corajosamente, enfrentou os espíritos desprovidos, de gentes cruéis. Não
consigo imaginar o que move pessoas, a entrar em casas alheias, para cerrar fechaduras,
arrancar tampos de cozinha, partir loiça sanitária e danificar canos de água.
O vandalismo de que foi vitima a minha casa de infância, é difícil de apagar da
memória. Quando me desloquei ao local, no sábado, 2 de Junho, tive a plena consciência
que aquela seria a última oportunidade de retirar da casa, o que quer que
fosse. Não interessa colocar em ênfase o valor dos objetos destruídos,
interessa pois, colocar em evidência, as memórias que lá se encontravam: peças
de loiça, pequenos objetos de decoração, por não se revestirem de valor, passaram
despercebidas ao olhar dos larápios. No meio da tragédia, conseguiu-se
recuperar, os álbuns de fotografias, as nossas memórias em papel, de muitos
anos e de momentos irrepetíveis. Conseguiu-se, também, recuperar correspondência
antiga e alguns livros. No momento, em que eu colocava em sacos os objetos
recuperados, em pensamento, agradeci, àquela casa, que de alguma forma transcendente,
conseguiu proteger todo um património familiar, até eu chegar. Nas horas
seguintes, estive a limpar, a catalogar os objetos carregados de simbolismo, senti,
que de alguma forma, a minha herança familiar havia sido preservada.
Sem comentários:
Enviar um comentário