É com grande dificuldade que escrevo esta carta mas o tempo limite foi atingido e tenho que me apressar.
Informo-te que a minha missão iniciada em Abril está prestes a terminar. Foram nove meses, onde contactei com valores que há muito considerava perdidos.
Desde o primeiro momento junto dos teus camaradas jurei a mim própria honrar com zelo as tarefas confiadas.
Tu mais do que ninguém me compreendes. Tu, tal, como eu, sabes, que tudo tem um inicio e, também, um fim.
O fim está muito próximo e tenho novos desafios pela frente, importa fazer um balanço.
O saldo desta missão pelo início da minha carta já percebeste que foi positivo.
Digo mais, os teus camaradas, deixam e, sempre, deixarão, saudade. Todavia, estou convencida que o caminho escolhido é o melhor para todos.
A relação de amizade que me liga aos teus camaradas “de armas” continuará pela vida, se for essa a vontade comum.
As contingências da vida é que nem sempre permitem continuar o sonho e amarram-nos à realidade do dia-a-dia.
Já sabes como sou, mesmo em situações difíceis e de algum stress, guardo no meu pensamento, o melhor dos acontecimentos.
Mas, confesso que sinto um certo nó na garganta ao mesmo tempo que os meus olhos teimam em não me obedecer… Mas a vida tem que continuar o seu curso.
E, tal, como sempre lamentei a tua partida para África nestes nove meses, consegui confirmar as minhas suspeitas junto dos teus camaradas: a tremenda injustiça que foi esse facto histórico.
Tantos anos passados desde o início da guerra em 1961, e, mesmo após o seu término em 1974, ainda hoje me pergunto: - qual a necessidade de enviar toda uma geração de jovens mal preparada para “Terras do Ultramar”? Dir-me-ão uns, que foi para defender o "Império Colonial Português"! Temo continuar a não perceber a razão... como era possível defender algo que só por si era indefensável?!
Lamento tanto pela partida de todos aqueles rapazes arrancados às suas gentes e enviados em enormes navios para terras do Ultramar.
Parte-se-me o coração só de pensar na tristeza, sentida, por mães, mulheres e familiares ao verem-nos partir do cais... barcos cheios de jovens militares, para “defender as colónias”...
A dor sentida deve ter sido dilacerante, para todos. E, disso, tu bem sabes, meu bravo “caçador”.
Continua-me a doer a alma quando em ti penso largado na selva em Angola a combater por um ideal que não era o teu.
Claro que eu sei que cumpriste com bravura e lealdade a tua missão… eras um bravo…sempre foste e serás…
A nossa História continua a doer porque as memórias de um povo não se apagam por decreto e perpetuam-se pelas gerações vindouras… é isso, mesmo, pai, perpetuam-se pelos tempos ...
Agora meu soldadinho desejo que a eternidade dos teus dias seja serena, muito serena. Os bravos merecem o descanso…depois, das “guerras” o descanso, é sempre, mais, do que merecido.
Termino esta carta como comecei, só pelo facto de contactar com estes teus camaradas, ainda que de outra geração, valeu a pena, ter aceite esta missão.
Despeço-me com muito carinho e até um dia destes...
A tua filha,
Eu