terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Em nome da saudade

 É com grande dificuldade que escrevo esta carta  mas o tempo limite foi atingido e tenho que me apressar.

Informo-te que a minha missão iniciada em Abril está prestes a terminar. Foram nove meses, onde contactei com valores que há muito considerava perdidos.

Desde o primeiro momento junto dos teus camaradas jurei a mim própria honrar com zelo as tarefas confiadas.

Tu mais do que ninguém me compreendes. Tu, tal, como eu,  sabes,  que tudo tem um inicio e, também, um fim.

O fim  está muito próximo e tenho novos desafios pela frente, importa fazer um balanço.

O saldo desta missão pelo início da minha carta já percebeste que foi positivo.  

Digo mais,  os teus camaradas, deixam  e,  sempre, deixarão,  saudade. Todavia, estou convencida que o caminho escolhido é o melhor para todos.

A relação de amizade que me liga aos teus camaradas  “de armas”  continuará pela vida, se for essa a vontade comum.

As contingências da vida é que nem sempre permitem continuar o sonho e amarram-nos à realidade do dia-a-dia.

Já sabes como sou, mesmo em situações difíceis e de algum stress, guardo no meu pensamento, o melhor dos acontecimentos.

Mas, confesso que sinto um certo nó na garganta ao mesmo tempo que os meus olhos teimam em não me obedecer… Mas a vida tem que continuar o seu curso.

E, tal, como  sempre lamentei a tua partida para África  nestes nove meses, consegui confirmar as minhas suspeitas junto dos teus camaradas: a tremenda injustiça que foi esse facto histórico.

Tantos anos passados desde o início da guerra em 1961, e, mesmo após o seu término em 1974, ainda hoje me pergunto: - qual a necessidade de enviar  toda uma geração de jovens mal preparada para “Terras do Ultramar”? Dir-me-ão uns,  que foi para defender o "Império Colonial Português"!  Temo continuar a não perceber a razão...   como era possível defender algo que só por si era indefensável?!

Lamento tanto pela partida de todos aqueles rapazes arrancados às suas gentes e enviados em enormes navios para terras do Ultramar.

Parte-se-me  o coração só de pensar na tristeza, sentida, por mães, mulheres e familiares ao verem-nos partir do cais... barcos cheios de jovens militares, para “defender as colónias”...

A dor sentida deve ter sido dilacerante, para todos. E, disso, tu bem sabes, meu bravo “caçador”.

Continua-me a doer a  alma quando em ti penso largado na selva em Angola a combater por um ideal que não era o teu.

Claro que eu sei que cumpriste com bravura e lealdade a tua missão… eras um bravo…sempre  foste e serás… 

A nossa  História continua a doer porque as memórias de um povo não se apagam por decreto e  perpetuam-se pelas gerações vindouras… é isso, mesmo, pai, perpetuam-se pelos tempos ... 

Agora meu soldadinho desejo que a eternidade dos teus dias seja serena, muito serena. Os bravos merecem o descanso…depois, das “guerras” o descanso, é sempre, mais, do que merecido.

Termino esta carta como comecei, só pelo facto de contactar com estes teus camaradas, ainda que de outra geração, valeu a pena, ter aceite esta missão.

Despeço-me com muito carinho e até um dia destes...

A tua filha,
Eu







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